Antropofagia: uma releitura do paradigma da razão moderna
1999; Volume: 12; Issue: 23-24 Linguagem: Português
10.1353/ntc.1999.0034
ISSN1940-9079
Autores Tópico(s)Cultural, Media, and Literary Studies
ResumoANTROPOFAGIA UMA RELEITURALX) PARADIGMA DA RAZÄO MODERNA _________VERA FOLLAIN DE FIGUEIREDO__________ Pontificia Universidade Católica do Rio de Janeiro Embora a Antropofagia, de Oswald de Andrade, tenha surgido sob o estímulo do contexto economía), polítia) e cultural do Brasil e da Europa dos anos 20, para compreendê-la melhor, é importante considerá-la no interior do projeto de construçâo de uma cultura brasileira autónoma, que vinha sendo gestado desde o Romantismo. A proposta antropofágica dialoga com o passado procurando resolver impasses anteriores que haviam marcado a reflexäo sobre a cultura no Brasil. A Antropofagia é a chave utilizada por Oswald para superar tanto o idealismo ufanista romántico quanto o pessimismo determinista que contaminou os intelectuais do final do século, influenciados pelo cientificismo etnocêntrico europeu. A fórmula encontrada pelo modernista, combinando sentimento nacionalista e cosmopolitismo, elegendo o híbrido em detrimento das categorías puras e excludentes, nasce da necessidade de criar novos parámetros de pensamento que permitissem ultrapassar as dicotomías que vinham balizando o pensamento sobre a cultura no país e que atualizava sempre o mesmo esquema: ou a defesa de um nacionalismo essencialista e fechado ou a apologia de um universalismo modernizador que significava completa submissäo a modelos culturáis europeus. Este esquema, que vinha desde o século XIX e no qual podemos de certa forma enquadrar, por exemplo, as divergencias entre José de Alencar e Joaquim Nabuco, revela seu esgotamento na obra de pré-modernistas como Lima Barreto e Euclides da Cunha. Em Triste fim de Policarpo Quaresma, a desgraça do protagonista resulta do nacionalismo de inspiraçâo romántica que orienta toda a sua açâo e que se mostra completamente inadequado para o entendimento dos problemas do pais, levando -o, no final do livro, a questionar, diante do fracasso das boas intençôes que o nortearam, o proprio conceito de "patria": E bem pensando, mesmo na sua pureza, o que vinha a ser patria? Näo teria levado toda a sua vida norteado por uma ilusäo, por uma idéia a menos, sem base, sem apoio, por um Deus ou uma deusa cujo imperio se esvafa? (...) Pareceu -lhe que essa idéia como que fora explorada pelos conquistadores por instantes sabedores das nossas subserviências psicológicas, no intuito de servir as suas©1999 NUEVO TEXTO CRITICO Vol. XII No. 23/24, Enero a Diciembre 1999 236________________________________________VERA FOLLAIN DE FIGUEIREDO ambiçôes... (...) Certamente era uma noçâo sem consistencia racional que precisava ser revista. Através de Policarpo Quaresma, Lima Barreto näo tematiza apenas a falencia do mito romántico de patria, do indianismo enquanto sinónimo da busca de uma origem pura, mas indica a necessidade de reavaliar alguns traeos tradicionais da nossa cultura, herdados do colonizador, preparando terreno para a releitura do passado que será feita nas décadas seguintes näo só por Oswald de Andrade, mas também por Mario de Andrade, Sergio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre. Antecipa a desnaturalizacäo, täo fréquente hoje, na chamada pós-modernidade, de conceitos criados pela modernidade, como o de naçao, assinalando o seu caráter construido: "Uma hora para o francés, o Franco-Condado é a terra dos seus avós, outra näo era, depois era; num dado momento a Alsácia näo era, depois era e afinal näo vinha a ser", diz o personagem. Em Os Sertóes, de Euclides da Cunha, o drama da enunciaçâo, presente de forma täo nítida na obra, decorre da inadequacáo do aparato teórico, gestado na Europa e em voga naquele momento no país, utilizado pelo autor , para a compreensáo de uma realidade que desafiava a rigidez dos pressupostos cientificistas. A Guerra de Canudos colocava o intelectual comprometido com o projeto modernizador diante de uma situaçâo na qual o que se evidenciava nao era o aspecto emancipador e racional da modernidade, mas a face violenta, justificadora da exclusäo que pode assumir nos países com fortes contradicóes sociais. A proposta "ver com olhos livres", de Oswald de Andrade, inserida nesse processo reflexivo...
Referência(s)