Novas receitas da cozinha canibal: O Manifesto antropófago nos Anos 90
1999; Volume: 12; Issue: 23-24 Linguagem: Português
10.1353/ntc.1999.0020
ISSN1940-9079
Autores Tópico(s)Urban Development and Societal Issues
ResumoNOVAS RECEITAS DA COZINHA CANÍBAL O Manifesto antropófago nos Anos 90 _____________K. DAVID JACKSON_____________ Yale University 0.A volta do perfeito cozinheiro Na década dos 90, uma releitura do celebrado Manifesto antropófago, de Oswald de Andrade, é útil para contrastar as teorías de utopia social do movimento modernista com as poderosas forças de internacionalizaçao e globalizacäo de hoje, numa tentativa de julgar a possível relevancia e o valor da teorizacäo modernista para os nossos días. Como e por qué ainda nos intéressa a antropofagia radical de Oswald? Posso pôr em evidencia a multidimen &ionalidade da teorizaçao/terrorizaçao antropófaga, o seu jogo de referencialidade , o seu bom humor e a sua constante justaposiçao de forças em oposiçâo. Essas incluem o nacionalismo característico da modernizaçâo brasileira, por um lado, e a radicalidade da vanguarda artística internacional , por outro. Ao pensar a pertinencia, e impertinencia, do texto oswaldiano hoje, proponho comentar o Manifesto como uma cozinha de receitas híbridas , que emprega ingredientes de origens muito diversas para criar uma mistura "explosiva". 1.Saber global e sabor local O debate atual nos círculos de estudos internacionais e da globalizacäo pode ser aproveitado para nossa releitura e revalorizaçao do Manifesto antrop ófago de Oswald de Andrade para os anos 90. Uma questäo de epistemolog ía "política", por assim dizer, reduzida a um argumento esquemático, teoriza e contrasta duas formas de saber, o local e o global. O "saber local" representa a vivencia num determinado lugar, uma prática enraizada na tradi çâo popular; o global resulta da vontade de tornar o local legível e govern ável através de sistemas formais, tais como organizaçao, estandardizaçâo e hierarquizaçâo. Uma vertente desse debate procura defender as práticas e tradicóes locáis, como forma de saber, da invasäo e do ataque de idéias "globais", aplicadas desde fora, mesmo concedendo que históricamente a organiza çao centralizada tem sido a principal força que existe na nossa civiliza çâo para o progresso e a liberdade social. Esse é o ponto de vista no livro 01999 NUEVO TEXTO CRITICO Vol. XII No. 23/24, Enero a Diciembre 1999 274___________________________________________________________K. DAVID JACKSON recente de James Scott (Seeing Like a State: How Certain Schemes to Improve the Human Condition Have Failed, 1998) representando a orientaçâo do Centro de Estudos Agrarios e do Instituto de Estudos Sociais e Políticos de YaIe. Scott critica as condiçôes e postulados vistos como necessários para a criaçao e implantaçâo de organizaçôes e formulacóes estatais modernos, para o bem ou para o mal, e busca a sua origem no período medieval tardío. Exemplifica o dilema do saber global com o exemplo de um esquema de reflorestamento "científico" alemäo, que implantou uma monocultura do pinheiro norueguês onde antes havia variedade, prática discutível que infelizmente chegou a servir nos nossos días como modelo para uma poh'tica agrícola reducionista levada ao Terceiro Mundo. Além desse caso, Scott discursa sobre a invençâo de sobrenomes patronímicos na Europa, o uso de mapas , a codificaçao lingüística e o discurso legalista, as cidades planejadas, as redes de transporte, enfim, a padronizaçâo do mundo natural e civil. Todos sao exemplos para Scott de uma "simplificaçao heroica", substituindo complexos processos locáis pela estandardizaçâo, mais fácil de anotar, arquivar e controlar. Nos termos do debate sobre a globalizacäo, a antropofagia pode ser relida como uma forma de defesa, se bem que curiosa, do saber local, dentro de um ponto-contraponto com o "saber importado" do colonizador. A antropofagia faz uma possível ponte entre a crítica feita por Scott a estruturas e processos globais, que nao levam em consideraçâo a contribuiçâo do saber local, e a sátira modernista dirigida contra a cultura colonial. O "local" escolhido por Oswald para representar o saber informal é o vasto interior a-histórico do país, habitado por indígenas, onde ainda vigora o...
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