Artigo Revisado por pares

Delgado, Márcia Cristina. Cartografia sentimental de sebos e livros. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. 167 p.

2002; Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Ciência da Informação; Volume: 7; Issue: 1 Linguagem: Português

ISSN

1981-5344

Autores

Maria da Conceição Carvalho,

Tópico(s)

Cultural, Media, and Literary Studies

Resumo

Originalmente apresentado como dissertacao de mestrado no Programa de Pos-Graduacao da Faculdade de Educacao da UFMG, o livro da sociologa Marcia C. Delgado representa importante contribuicao a bibliografia sobre a historia do livro e da leitura no Brasil. Embora venha se ampliando, desde a ultima decada o numero de trabalhos, academicos ou nao, contemplando essa tematica da historia cultural brasileira, ainda sao muitos os silencios e as lacunas referentes ao estudo das praticas sociais da leitura. Nesse sentido, essa investigacao sobre o comercio de livros usados, publicada em 1999, merece uma divulgacao mais ampla entre os profissionais da area da ciencia da informacao interessados nos processos de leitura e formacao de leitores. Cartografia sentimental de sebos e livros enseja, de fato, o reencontro de bibliofilos, colecionadores e estudiosos do campo da bibliofilia na celebracao de uma das formas mais peculiares de se amar o livro: a garimpagem de obras, raras ou especiais, nas livrarias chamadas sebos. Significativamente, quem escreve a orelha do livro e um bibliofilo, entre os brasileiros o mais conhecido na atualidade, seja pela qualidade de sua colecao de obras raras, seja pelo entusiasmo com que participa, apesar de seus noventa anos de idade, de todos os eventos culturais relacionados ao livro. Trata-se do empresario paulista Jose Mindlin. Ele reafirma aqui sua fascinacao de toda uma vida pela garimpagem de livros em sebos do Brasil e do exterior e anteve o recrutamento de novos aficionados para essa pratica entre os que vierem a ler esse livro sobre os sebos de Belo Horizonte. Dividido em seis capitulos, acompanhados de notas explicativas, alem de uma bibliografia abrangente, e uma obra que deve agradar tanto aos iniciados, ja rendidos ao mal de sebo (parodiando Jacques Derrida com seu belissimo Mal de arquivo; uma impressao freudiana, 1995), quanto a outro tipo de leitor que, por diferentes motivos, apresente preconceitos em relacao aos livros usados. Os primeiros, imagino e julgo pela minha propria leitura, percorrerao as paginas com a sensacao prazerosa de quem refaz um belo caminho conhecido, identificando enderecos, reencontrando pessoas, confirmando afinidades e escolhas de amante e/ou colecionador de livros. Dialogo renovado e possivel gracas a escrita apaixonada e cumplice da autora que, sem perder a lucidez e o rigor necessarios ao historiador, nao tenta esconder ou diminuir sua emocao ao falar do livro e seu interesse pelas pessoas que interagem no circuito livreiro. De fato, mais do que o roteiro das sete casas selecionadas no campo de Belo Horizonte, com informacoes importantes como endereco, natureza do acervo e estado de conservacao, a intencao maior da pesquisadora parece ter sido a de dar voz ao sebista e ao frequentador de sebos, tracando desses uma tipologia e trazendo a luz depoimentos reveladores de um universo fascinante, de intrincadas associacoes. O outro leitor potencial de Cartografia sentimental de sebos e livros, o consumidor de livros que, por diferentes razoes (ainda) nao frequenta esse tipo de livraria, encontrara nesta obra aquilo que o seu titulo promete: um mapeamento historico e geografico dos sebos da capital mineira, ao mesmo tempo informativo e sedutor que conta, inclusive, com o recurso que a autora chama de um iconografico mergulho pelo mundo dos sebos de Belo Horizonte, que vem a ser o ultimo capitulo. Comecando do inicio apresenta-se, no primeiro capitulo intitulado O mercado de livros no Brasil: uma breve incursao historica, o cenario historico do surgimento do sebo como segmento do mercado livreiro. De sebos e sebistas e o titulo do segundo capitulo, onde a autora apresenta os diferentes termos relacionados com o comercio de livros usados, trazendo, inclusive, o ponto de vista dos livreiros entrevistados. Buquinagem, buquinista, alfarrabio, caga-sebo, sebista, sao alguns dos termos que ela recupera em dicionarios etimologicos e outras fontes de referencia. Motivo de depreciacao para alguns, de orgulho para outros conforme mostram depoimentos transcritos na integra, os termos sebo e sebista parecem estar consolidados, tanto na representacao dos leitores quanto na literatura especializada, haja visto o mais recente guia lancado no mercado intitulado Guia dos sebos do Brasil, de Antonio Carlos Secchin. O terceiro capitulo constitui o eixo central do livro onde se desenha a cartografia dos sebos de Belo Horizonte, tomando-se, como amostra, sete livrarias consideradas representativas dentre os estabelecimentos da capital que trabalham com livros usados, alem de edicoes esgotadas e livros raros. Considera -se, como foco de analise de cada livraria o acervo, os livreiros e o publico leitor. O quarto capitulo pretende inserir os achados dessa pesquisa no campo de estudos das praticas sociais de leitura, travando-se um dialogo com os historiadores mais destacados da atualidade nesta linha como Robert Darnton e Roger Chartier. No ultimo capitulo, imagens, ja mencionadas, contam mais sobre o universo dos sebos. Foram incluidas fotos dos sebistas em seus locais de trabalho, de bibliofilos no ato de garimpar preciosidades, alem dos trapeiros que, eventualmente, compram obras raras misturadas a papel velho. Interessante e, tambem, saber da diferente gama de objetos encontrados dentro de livros vendidos aos sebos: fotos, santinhos, marcadores de livros, folhetos de propaganda politica e cultural, restos, como diriam os freudianos, que ajudam a tracar o perfil do leitor atraves dos tempos. Que este livro cumpra uma trajetoria importante junto ao leitor brasileiro, inclusive apontando caminhos para futuros estudos.

Referência(s)