Justiça moral, metafísica e natural
1998; Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa; Volume: 33; Issue: 146 Linguagem: Português
ISSN
2182-2999
Autores Tópico(s)Palliative and Oncologic Care
ResumoAos 9 anos de idade a minha mae mandou-me para a escola hebraica. As aulas eram a tarde. Ate chegar a escola, tinha de fazer uma longa viagem de autocarro, debaixo de calor intenso, pelas ruas compridas de Los Angeles e, depois, ainda uma razoavel caminhada a pe. Ensinavam-nos a lingua e liturgia hebraicas e a historia e os costumes judaicos. Como aprendia com facilidade e adorava linguas, em breve me tornei um dos preferidos do homem baixo e de aspecto fragil que dava aulas aos que ja tinham ultrapassado a fase mais elementar. Chamava-se Dr. Lubliner e os meus pais tinham-me recomendado que me dirigisse a ele sempre desta forma respeitosa, pois havia-se doutorado na Europa. Embora nao o soubesse na altura, havia nisto um certo pathos um homem erudito a ensinar o hebreu a criancas. O Dr. Lubliner foi a primeira pessoa a quem, fora de casa, ouvi referir «Aristoteles» pronunciando o nome a europeia, e nao «Aristotle». Tinha feicoes delicadas, o olhar meigo, cabelo encaracolado, vestigios de um queixo outrora firme e o sorriso facil. Na pele clara da parte de dentro do antebraco, bem visivel quando, nos dias quentes de Los Angeles, tirava o casaco e dava as aulas em mangas curtas, tinha uma marca azul desbotada deixada pela tatuagem de um numero. O Dr. Lubliner era um sobrevivente, como hoje o designariamos. Nao lhe passaria pela cabeca imaginar que houvesse alguma especie de heroismo no acaso de ter conseguido sobreviver quando a familia e outros 6 milhoes de pessoas haviam morrido. Nunca falou de si ou do seu passado nem dos campos de concentracao. Referiu-se uma unica vez ao holocausto e a guerra. Uma referencia evasiva, quase metafisica, e no entanto estranhamente matizada de ardor e determinacao, como o azul das veias nos seus bracos, ou a desbotada bandeira de Israel no auditorio da escola, quase da mesma cor que o numero com que tinha sido marcado como um animal a abater e que, mesmo
Referência(s)