HOLOCAUSTOS COLONIAIS: MIKE DAVIS E SUAS IMPLICAÇÕES GEOGRÁFICAS
2015; Volume: 20; Issue: 4 Linguagem: Português
ISSN
1982-1093
Autores Tópico(s)Agriculture, Land Use, Rural Development
ResumoNesta resenha pretende-se analisar o livro de Mike Davis intitulado “Holocaustos coloniais”, resumindo seus pontos principais e tecendo alguns comentarios acerca de suas implicacoes no entendimento geografico. A obra tenta resgatar uma historia pouco lembrada pelos historiadores modernos a respeito dos desastres de Magnitude planetaria das fomes de 1876 a 1899 e de como as secas sincronicas resultantes de “macicos deslocamentos na localizacao sazonal dos principais sistemas de tempo tropical” (p.23) serviram como fomento das potencias imperiais, com o objetivo de expandir e consolidar seu dominio. Trata-se, nos dizeres do autor, de uma Ecologia Politica da fome, com base na historia ambiental e da economia politica marxista, sendo uma corologia das historias de subsistencia que demonstra com grande maestria, interligando os fenomenos em escala planetaria.Grande parte dessas calamidades decorreu em parte pela desestruturacao dos sistemas nativos de organizacao e dos sistemas tradicionais de colheita e irrigacao em parte pela insercao destes no mercado mundial a partir do seculo XIX. O autor constroi uma relacao causal entre os precos de graos, as atividades das moncoes, principalmente na India e da importância dessas para a seguranca alimentar. Narra uma historia em que os camponeses ora viam-se sufocados por impostos imperiais, ora por politicas de racionamento de comida, lutando para equacionarem sua sobrevivencia, visto que incorporados ao mercado internacional, nao tinham condicoes de competir em igualdade com os consumidores europeus. Davis fala em tres engrenagens propulsoras da fome que sao explicitadas no decorrer de seu livro, e podem ser resumidas da seguinte forma: economicas (ciclos de Kontradieff e suas ondas longas); climaticas (Bjerknes e as oscilacoes do El Nino) e historicas (Novo Imperialismo e a expansao colonial).O livro e divido em quatro partes das quais resumiremos os pontos principais. As duas primeiras realizam uma cronografia historica dos anos pre-seca, assim como das politicas que avassalaram os paises, sob a batuta do imperialismo Vitoriano. Aborda as transformacoes das condicoes de trabalho e de como as oscilacoes no mercado internacional dizimaram milhares de pessoas e a suas relacoes com os movimentos milenaristas do final do sec. XIX. A terceira e dedicada a as questoes climaticas, desvendando as alteracoes que deram origem aos fenomenos de El Nino, sua periodicidade e como estao teleconectadas as chuvas e as secas sincronicas. Por fim a ultima parte, que leva o nome do mote principal de Davis, “A Ecologia Politica da fome” visa a transplantar as correlacoes entre clima, historia e economia para uma interpretacao das marcas deixadas pelos fenomenos na estrutura social e politica dos povos afetados pelos desastres ambientais e pelas politicas aplicadas nos anos de seca/fome. Podemos realizar tres observacoes basicas do livro de Mike Davis. A primeira coloca maior enfase na questao do livre-mercado em conjugacao com os fatores climaticos e o imperialismo da era Vitoriana. A segunda inverte a ordem desses fatores, colocando justamente, como os fatores climaticos moldam as politicas nacionais. E em terceiro lugar viria o oportunismo das potencias imperiais em aproveitar os espacos deixados pelas desordens ambientais e climaticas, muitas vezes por elas aprofundadas. Nao era por sua vez, o livre mercado apregoado pela “teoria” como um todo, e sim uma ideologia sustentada por este, mas impregnada por interesses estrategicos das potencias coloniais que agiam muito mais no sentido de justificar certas acoes do que realmente prover um livre-mercado real, como bem demonstram a insensatez e a hipocrisia dos administradores da India Colonial em impedirem as organizacoes locais de um mercado de precos de graos mais baixos, ou de providenciar a propria independencia financeira da colonia, ou nas palavras do autor “(...) as politicas britânicas por mais Smithianas que fossem na intencao, em geral eram hobbesianas na pratica” (DAVIS 2002, p.350).Com base nessas observacoes, podemos incluir a questao da alteracao dos modos de vida advinda da introducao de elementos organizacionais externos e da rapidez e brutalidade com que esses foram modificados. A importacao de valores e formas organizacionais suplantou a capacidade das sociedades em resistir e responder as secas. O esfacelamento gradual do tecido social, aliadas a uma logica cruel de livre-mercado e as lentes Malthusianas dos governantes carregaram o lado sombrio e barbaro do “processo Civilizatorio”. Dai a belissima ligacao que faz com as revoltas milenaristas, ou seja, o desejo do retorno a uma ordem idealizada como menos perene a seca/fome. Os silos “sempre normais” do seculo XVIII, a agricultura na India pre-britânica, assim como a capacidade de organizacao de Canudos em reposta a Grande Seca se tornam extremamente plausiveis ao entendermos a situacao anterior e a posterior ao inicio dos imperios coloniais.O que existe de mais geografico em sua obra, e a forma como o autor alia a natureza aos contextos historicos de expansao colonial, levando em consideracao os efeitos climaticos em uma escala global, e partindo das particularidades de cada regiao afetada pela seca, constroi um panorama e um mecanismo geral de como germinaram as catastrofes, abrangendo periodos que as antecedem. A maneira como analisa a desestruturacao da producao no campo e a introducao do assalariamento e particularmente brilhante.
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