Artigo Produção Nacional

André Gorz: saber e inteligência enquanto experimentação ética

2008; Volume: 1; Issue: 1 Linguagem: Português

10.32760/1984-1736/redd/2008.v1i1.1066

ISSN

1984-1736

Autores

Ricardo Sapia de Campos,

Tópico(s)

Cultural, Media, and Literary Studies

Resumo

Dizem alguns ser prudente esperar que alguem morra para entao lhe atribuir homenagens. Ainda vivo sempre existe a possibilidade para dizer e desdizer, agir em suma, no sentido contrario aos atributos pelos quais se lhes seriam rendidos louvores. Nem sempre sao necessarias ou cabiveis honrarias a memoria, quando a plenitude de uma existencia e em si desmerecedora de tais mumificacoes. Uma existencia etica na acepcao spinoziana do termo permite afrontar constituicoes em favor da flexibilidade e da dissipacao da vida. Ao que parece, este e o caso de Andre Gorz, pseudonimo do austriaco Gerhard Horst, morto em setembro do ano passado. O ultimo livro de Gorz, lancado no Brasil recentemente com o titulo: “Carta a D.: Historia de um amor”, em que o autor tem como interlocutora sua mulher, Dorine, fecha o ciclo de uma existencia pessoal, tanto quanto da producao do autor. Gorz, o homem social, morre junto com Gorz, homem antropologico. Nao tenho claro se Gorz tinha essa consciencia, mas seguramente observo este fenomeno como o da plenitude de uma existencia etica. Quando um entrevistador perguntou a Gorz, aquilo que parecia obvio para muitos de seus criticos, apontando para uma ruptura no seu pensamento, Gorz responde: “Tenho menos o sentimento de uma ruptura do que de uma atencao constante para com uma realidade que muda o tempo todo.” (GORZ, 1989, p.168-169). Ao se afastar do PC (Partido Comunista Frances) e do movimento sindical, ambos, conforme apontou mais tarde teriam exercido grande fascinio em sua formacao, Gorz, acenava com um belo “Adeus ao Proletariado”. Este adeus ao proletariado fabril enquanto agente revolucionario transformador da sociedade, ainda que tendenciosamente ou nao, mal interpretado por boa parte da esquerda e da intelectualidade francesa, em nada significava uma ruptura de pensamento, e menos ainda descomprometimento com o engajamento do autor que textualmente afirmava: ”A alienacao so pode ser superada fora do trabalho assalariado.” (GORZ, 1989, p.173). Claro estava que Gorz havia entendido o carater profetico e religioso de teorias que se pretendiam cientificas, e ainda, da distorcao ou uso delas que identificavam a redencao a partir do movimento que teria como agente o proletariado. E e claro tambem, que o autor se afasta completamente dela. Em seu livro “Adeus ao Proletariado” demonstra como a classe operaria seria incapaz de ser o agente da producao e da sociedade, ou, agente produtor de sociedade. O ponto que resgatamos e nao tanto como isso acontece, mas o porque deste processo nao comportar ruptura alguma, apontando para uma existencia que nao permite separacao ou dualidade entre o Gorz de Dorine (e o seu proprio), do nosso Gorz, ou ainda, aquele de “Adeus ao Proletariado”. Ou, o Gorz que conhecemos, o heretico e outsider intelectual frances daquele mesmo Gorz que escreveu “Carta a D.”, e que no derradeiro ato que consuma a morte do autor junto com a mulher, consegue plantar uma semente (de afeto e inteligencia), contrariando instituicoes – a etica contra a moral. O Gorz sem cisao, o desfecho tanto da sua vida quando da sua morte, fazem arrancar um sorriso e uma lagrima. Em “O Imaterial”, lancado em 2003, a nosso ver, Gorz resgata amiude todas as bases filosoficas do seu pensamento, bem como elabora aquilo que era sua busca desde os primeiros

Referência(s)