Artigo Produção Nacional

A mão e o martelo: A Polícia Militar e os conflitos sociais no campo paraense

2016; UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ; Volume: 1; Issue: 1 Linguagem: Português

ISSN

2176-0675

Autores

Alisson Gomes Monteiro,

Tópico(s)

Urban and sociocultural dynamics

Resumo

Este estudo foi realizado para identificar como a Policia Militar, orgao responsavel pela preservacao da ordem publica, por intermedio do policiamento ostensivo fardado, media os conflitos sociais no campo paraense. Esses conflitos foram, em regra, gerados por lutas historicas entre a maioria da populacao, que teve dificuldades de acesso a propriedade e a posse rural e uma pequena parcela que, privilegiada por um processo de ocupacao centralizador e por um sistema economico concentrador de renda, manteve o controle de grande parte dos meios de producao. O estudo aponta caminhos para que a Policia Militar consiga ser instrumento de reducao de desigualdades sociais e nao um mecanismo de perpetuacao dessas disparidades, tomando como necessidade analisar o papel do poder politico, que deveria ser o irradiador das determinacoes, no sentido da protecao social, mas que acaba, principalmente por omissao, deixando essa corporacao policial a merce da influencia da forca economica dos grandes latifundiarios, que nao raras vezes usam a violencia como forma de manter as estruturas estabelecidas. Observou-se que a Policia Militar age basicamente como um instrumento de forca, um martelo, muitas vezes a servico de elites agrarias que, por intermedio da violencia, perpetuam um sistema produtivo excludente e concentrador de recursos. Verificou-se ainda a necessidade de se estabelecer uma cultura de mediacao que seja transformadora da realidade institucional, de modo que o descredito da Corporacao seja ultrapassado, aproximando-se verdadeiramente da comunidade como um servico publico. Ocorre que, diante dessa realidade de desequilibrio de forcas sociais, economicas e politicas no campo paraense, essa corporacao publica de policiamento tem deixado duvidas quanto a sua capacidade de protecao, primordialmente daqueles que se encontram em situacao de vulnerabilidade, remetendo-se a casos recorrentes de privatizacao do servico policial, em que representantes da Policia Militar, comprometidos com demandas particulares, para obter ganhos pessoais, jogam por terra sua missao constitucional de protecao ao povo, por intermedio do fiel cumprimento do conjunto normativo existente no pais. Foi possivel verificar esses descaminhos em todas as regioes do Para, de maneira especialmente penosa na area rural, aproveitando-se a vivencia institucional de mais de quatorze anos, como Oficial da Policia Militar, sendo que quase um terco desse tempo no trabalho de corregedoria. Constatou-se no campo que e mais contundente um fenomeno de instrumentalizacao distorcida, na qual a Policia Militar acaba agindo direcionada por finalidades nao estabelecidas constitucionalmente para sua atividade, levando-se em conta que a policia funciona basicamente como uma ferramenta de forca. Tornou-se fundamental ao estudo enxergar como se apresenta a mao, ou as maos, que controlam esse instrumento, na medida em que se pode aplicar mais ou menos energia na contencao ou direcionamento das situacoes, a fim de atender um ou outro interesse. Procurou-se demonstrar que uma policia construida sob um novo paradigma pode, entao, transformar essa realidade de distanciamento da populacao, deixando para tras o vies tradicional que constituiu o policial em um elemento guerreiro, que ve a sociedade como inimiga em potencial e age perdendo de vista as acoes que identificam a nocao de justica social. Reconhecendo que o arcabouco juridico e, atualmente, o menor dos problemas quanto a consecucao da garantia de direitos humanos, porquanto desde a base constitucional, em tese, a legislacao avancou bastante para a protecao dos direitos das pessoas, e a atuacao da corporacao na efetiva concretizacao desses direitos que vai apresentar a policia como um orgao mais atraente para a sociedade. Defendeu-se que cabe aos agentes policiais irem alem do cumprimento seco da legislacao, no afa de realizar a protecao da cidadania, devendo ampliar sua atuacao no caminho de valores eticos que deixem claro sua funcao garantidora de direitos, principalmente dos hipossuficientes, definindo-se tres eixos de atuacao, isto e, o respeito a legalidade, a atuacao tecnico-profissional e o seguimento de acoes eticas. Nesse sentido, escolheram-se casos concretos, nos quais todos esses conceitos trabalhados puderam ser analisados, comecando pelo acontecido em 17 de abril de 1996, em Eldorado do Carajas, municipio do sudeste paraense, onde um grupo de dezenove (19) integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) foi morto por tropas da Policia Militar durante uma tentativa de desocupacao da PA-150, importante rodovia da regiao. Mundialmente conhecido como Massacre de Eldorado do Carajas, apesar de inumeras obras, relatos, estudos, ou seja, de muito se ter dito sobre o fato, ha ainda ângulos inexplorados no conflito, que acreditamos poder percorrer, principalmente vendo o fato a partir do olhar policial, perscrutando a tecnica, as questoes normativas e a conduta etica durante o evento. Viu-se tambem situacao ocorrida no municipio de Altamira, envolvendo o efetivo do 16o Batalhao de Policia Militar, no qual um contingente foi instalado em uma regiao de conflito entre comunidades que ja se encontravam na localidade ha pelo menos setenta anos e uma grande empresa exploradora, que se intitulava proprietaria da area. Nessa esteira, se discutiu os indicios de que a empresa financiava as atividades da Policia Militar, no que concerne as questoes de alojamento e de toda a estrutura logistica, sendo que a missao principal da forca policial seria a preservacao da ordem, o que implicava na protecao da propriedade privada e no combate a invasores da regiao. Por fim, trabalhou-se o caso do policiamento realizado dentro da reserva indigena Tembe, localizada no nordeste do estado, onde, diante de uma populacao etnicamente diferenciada, a Policia Militar encontra grandes dificuldades, quanto ao preparo para uma relacao intercultural e, nesse sentido, a mediacao entre os Tembe e os colonos da regiao acaba nao ocorrendo da melhor forma. A partir desse cenario multifacetado, de conflitos de diversos tipos e com atores tambem bastante distintos, a Policia Militar foi estudada como central, no que se refere a sua capacidade de mediacao, quanto a sua imparcialidade e questionando se em sua atuacao pode ser identificada a caracteristica democratica, essencial na consolidacao de uma estrutura de organizacao republicana.

Referência(s)