A língua brasileira
2005; Brazilian Society for the Advancement of Science; Volume: 57; Issue: 2 Linguagem: Português
ISSN
2317-6660
Autores Tópico(s)Linguistics and Language Studies
ResumoINTRODUCAO A questao da lingua que se fala, a necessidade de nomea-la, e uma questao necessaria e que se coloca impreterivelmente aos sujeitos de uma dada sociedade de uma dada nacao. Porque a questao da lingua que se fala toca os sujeitos em sua autonomia, em sua identidade, em sua autodeterminacao. E assim e com a lingua que falamos: falamos a lingua portuguesa ou a lingua brasileira? (1) Esta e uma questao que se coloca desde os principios da colonizacao no Brasil, mas que adquire uma forca e um sentido especiais ao longo do seculo XIX. Durante todo o tempo, naquele periodo, o imaginario da lingua oscilou entre a autonomia e o legado de Portugal. De um lado, o Visconde de Pedra Branca, Varnhagen, Paranhos da Silva e os românticos como Goncalves Dias, Jose de Alencar alinhavam-se entre os que defendiam nossa autonomia propugnando por uma lingua nossa, a lingua brasileira. De outro, os gramaticos e eruditos consideravam que so podiamos falar uma lingua, a lingua portuguesa, sendo o resto apenas brasileirismos, tupinismos, escolhos ao lado da lingua verdadeira. Temos assim, em termos de uma lingua imaginaria, uma lingua padrao, apagando-se, silenciando-se o que era mais nosso e que nao seguia os padroes: nossa lingua brasileira. Assim nos contam B. S. Mariani e T. C. de Souza (Organon 21, Questoes de Lusofonia) que, em 1823, por ocasiao da Assembleia Constituinte, tinhamos pelo menos tres formacoes discursivas: a dos que propugnavam por uma lingua brasileira, a dos que se alinhavam do lado de uma lingua (padrao) portuguesa e a formacao discursiva juridica, que, professando a lei, decidia pela lingua legitimada, a lingua portuguesa. Embora no inicio do seculo XIX muito se tenha falado da lingua brasileira, como a Constituicao nao foi votada, mas outorgada por D. Pedro, em 1823, decidiu-se que a lingua que falamos e a lingua portuguesa. E os efeitos desse jogo politico, que nos acompanha desde a aurora do Brasil, nos faz oscilar sempre entre uma lingua outorgada, legado de Portugal, intocavel, e uma lingua nossa, que falamos em nosso dia-a-dia, a lingua brasileira. E assim que distingo entre lingua fluida (o brasileiro) e a lingua imaginaria (o portugues), cuja tensao nao para de produzir os seus efeitos. Assim e que, em 1826, o projeto apresentado ao parlamento brasileiro pelo deputado Jose Clemente propoe que os diplomas dos medicos seja redigido em “linguagem brasileira”. Em 1827 temos a aprovacao de lei que estabelece que os professores deveriam ensinar a gramatica da lingua nacional. Nem portugues, nem brasileiro, estrategicamente, nomeamos de lingua nacional. Em 1870, procurando argumentar sobre a lingua que falamos, temos a polemica entre o romancista brasileiro Jose de Alencar e o portugues Pinheiro Chagas, um falando de nossas diferencas e autonomia, o outro, sobre o legado que recebemos de Portugal, a lingua portuguesa. Essas referencias podem ser encontradas em um quadro apresentado no inicio do livro Historia da semântica (2004) de Eduardo Guimaraes, entre outros. Ja no seculo XX, na decada de 1930 ha uma discussao na Câmara do Distrito Federal sobre o nome da lingua do Brasil: lingua portuguesa ou brasileira? Novamente se decide pelo indefinido: falamos a lingua nacional. Sobre essa discussao pode-se consultar o livro (tese) de Luis Francisco Dias (1996), que conclui que, na perspectiva daqueles que se posicionaram contrarios aos projetos de mudanca do nome da lingua falada no Brasil, o nome lingua brasileira e percebido como algo que viria desestabilizar um eixo social que tem nos percursos da escrita, sob os auspicios da lingua portuguesa, o seu suporte, a sua referencia, e, na perspectiva daqueles que defendem os projetos de mudanca do nome de nosso idioma, lingua brasileira tem a sua referencia constituida a partir de uma imagem romântica do pais, imagem fundada no positivismo e no ufanismo que, ao longo da segunda metade do seculo XIX e da primeira metade do seculo XX marcaram nossa historia. Finalmente, assim como D. Pedro outorgou uma Constituicao em 1823, tambem em 1946, a comissao encarregada pelo governo brasileiro, em atendimento ao estabelecido pela Constituicao de 1946, decide que o nome da lingua falada no Brasil e lingua portuguesa (2). Esta questao, no entanto, nao deixa de nos importunar, e ha sempre alguma razao, um pretexto, ou alguem que a levanta em momentos diferentes de nossa historia. Isso quer dizer que ate hoje nao decidimos se falamos portugues ou brasileiro. Embora a cultura escolar se queira, muitas vezes, esclarecedora em sua racionalidade e moderna em sua abertura, acaba sempre se curvando a legitimidade da lingua portuguesa que herdamos e, segundo dizem, adaptamos as nossas conveniencias, mas que permanece em sua forma dominante inalterada, intocada: a lingua portuguesa. E quem nao a fala, ainda que esteja no Brasil, que seja brasileiro, erra, e um mal falante, um marginal da lingua. E, pois, impressionante como a ideologia da lingua pura, a verdadeira, faz manter o imaginario da lingua portuguesa.
Referência(s)