Artigo Acesso aberto

A paranóia nos negros: estudo clínico e médico-legal (1903)* Parte 1

2004; University Association for Research in Fundamental Psychopathology; Volume: 7; Issue: 2 Linguagem: Português

10.1590/1415-47142004002011

ISSN

1984-0381

Autores

Raimundo Nina-Rodrigues,

Tópico(s)

History of Medicine and Tropical Health

Resumo

Manoe R. F. de D. Preto, natural da Bahia, sessenta e cinco anos, casado,agricultor, analfabeto. Entrada no Hospicio Nacional de Alienados do Rio deJaneiro em 13 de janeiro de 1899.Indice cefalico 80,7; diâmetro ântero-posterior 187mm; diâmetro transversal151mm; arco longitudinal superior 330mm; arco bi-auricular 320mm; grandecircunferencia 560mm; altura 1,74m; envergadura 1,86m; peso 71 quilos.Antigamente, era escravo na Bahia. Foi vendido e levado a regiao Sul doBrasil como castigo por suas repetidas fugas e por sua preguica. Teve sifilis;alcoolatra.A historia do doente pode ser resumida da seguinte forma: a perturbacaomental comecou ha cerca de dez anos e coincidiu com a data da libertacao dosnegros no Brasil (1888), apos um grande conflito no qual ele esteve envolvido.As concepcoes delirantes sao de ordem politica. Ele teria sido perseguido porcausa de sua franqueza e da independencia com que se manifestou a favor daimperatriz. Essas ideias de perseguicao eram no inicio simples suspeitas, masforam tomando corpo, tornando-se mais nitidas e o doente comecou aindividualizar seus perseguidores, citando nomes. Para escapar da perseguicao,ele abandona seu local de moradia e vai morar em Juiz de Fora, mas mesmo ainao estaria seguro e vai para o Rio de Janeiro, onde fica sabendo que foi designadopara uma grande missao: e ele que deve restaurar a monarquia e reconduzir aotrono a imperatriz banida. Tinha lido claramente na testa da imperatriz a seguinteinscricao: “Dom Manoe”, e isso lhe tinha revelado sua missao, pois era evidenteque ele tinha sido eleito a fim de leva-la a bom termo. Hoje, ele acredita ser rei easpira ocupar o lugar designado por sua verdadeira posicao. Sua atitude e coerentecom seu delirio megalomaniaco. Ele nao se senta a mesa, para evitar contatocom pessoas de baixa condicao; fala com autoridade, ameaca, proclamaincisivamente seu poder, que considera emanado de Deus; prodigaliza insultos ese encoleriza contra aqueles que se recusam a lhe prestar homenagens.Outubro de 1901: Mesmo estado que em 1899. O delirio se mantem. Odoente tornou-se mais agressivo e foi preciso isola-lo.Apesar de resumida e incompleta, essa observacao nao deixa de serinteressante. A fase inicial de agitacao, de incubacao e de interpretacao delirante,as migracoes do doente, a constituicao do delirio de perseguicao, suatransformacao em delirio de grandeza sao muito bem determinadas.Esse individuo ja era ou nao um desequilibrado antes de seu delirio? Naoha informacao sobre isso, mas a probabilidade e grande, e e permitido supo-la.O sr. Marcio Nery nos disse que esse negro, no tempo em que era escravo,tinha sido vendido e levado para as provincias do Sul como castigo por suasrepetidas fugas. De fato, era costume no Brasil, durante os ultimos anos da exis-

Referência(s)