Artigo Acesso aberto Produção Nacional Revisado por pares

A identidade cultural do Goiano

2011; Brazilian Society for the Advancement of Science; Volume: 63; Issue: 3 Linguagem: Português

10.21800/s0009-67252011000300016

ISSN

2317-6660

Autores

Nasr Fayad Chaul,

Tópico(s)

Environmental Sustainability and Education

Resumo

C ompreender a identidade do goiano, esse ser do Cerrado, e uma forma de pensar melhor a ideia de um Brasil Central ou de uma identidade de Centro-Oeste, unido, quem sabe, pela complexidade do sertao, pela possibilidade do Cerrado, ambiental e culturalmente falando. O que e ser goiano? Que bicho e esse com o qual agora comecam a se preocupar os estudos brasileiros em geral, desde o crescimento economico ate a novela Araguaia? Como se denominaria esse matuto macunaimico que vive entre o sertao de Guimaraes Rosa e as veredas de Carmo Bernardes? Esse ET transformista, misto de agrario e urbano, roca e cidade, curral e concreto? Nos de Goias, que por tanto tempo vivemos a sombra da historia definida pelo centro-sul do pais, quem somos, ou melhor, o que nos tornamos? E possivel se pensar a mineiridade atraves de uma construcao ideologicamente tracada, como bem demonstram alguns estudos sobre o tema, bem como por meio de uma cultura politica marcada e referendada pelo aval nacional. E possivel detectar a nordestinidade atraves da redoma do cerco e da cerca em torno da miseria local e de muitas, muitas lutas no campo. E mais que possivel entender a hegemonia do centro-sul por sua preponderância economica e politica no cenario nacional, determinando um poder aceito e absorvido pelo pais afora. Mas e a goianidade? Esse e um dos pontos que teremos que discutir para chegar a um entendimento do que possa vir a ser a identidade cultural do goiano. Goias se parece muito com Minas Gerais, temos a mesma ausencia do mar, o mesmo luar do sertao, montanhas e minerios e achamos as coisas um “trem-bao” em cada coisa “boa demais da conta”. Mas o ouro nos legou herancas provinciais distintas. Portanto, para falar de Goias e fundamental notar que temos particularidades historicas que nao nos deixa ser um mero reflexo das transformacoes ocorridas em nivel nacional. Nem por isso somos assim tao distintos. Para se compreender esse processo de construcao da identidade goiana e necessario retroceder pelos caminhos dos viajantes europeus que passaram por Goias no seculo XIX e deixaram uma imagem que nao explica a goianidade que aqui se pretende discutir, mas consegue deixar clara a ideia de goianice, termo pejorativo com o qual se vislumbrou Goias e sua gente. “Do lado de cima tem o Tocantins, do lado direito as Minas Gerais, um pedacinho da Bahia, e nada demais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso sem Sul...”. Qual o sentido para nos de Goias o espaco Brasil Central ? Historica e culturalmente foi nos impingido uma heranca e uma memoria, como se tivessemos nascido de fato em 1722, e ficamos sem pai nem mae. Esse buraco negro de nosso passado pre-aurifero e apenas lembrado, tangenciado pela producao academica, relegado ao rol do desinteresse. Tudo comeca com o ouro. Pior: tudo acaba tambem com o ouro. Em Goias, caminhando pelos relatos dos viajantes, cronistas, governadores e historiadores, a distância de cada olhar se torna maior que o caminho das interpretacoes. As picadas e trilhas formaram, ao longo do processo historico, um mapa quase invisivel de latitudes interiores, por onde Bartolomeu Bueno, o filho, procurou-se guiar e os historiadores de toda cepa procuraram nos remeter, dando nos rotulos, estigmas e herancas imerecidas de como deveriamos ser ao olhar do outro. Com o esgotamento do ciclo aurifero, criou-se um estigma de decadencia que passou a permear todas as analises que foram feitas sobre a historia de Goias. Hoje, peneiradas na bateia do tempo, temos o duro cascalho da historia, mesclado com as pedras no meio do caminho da interpretacao, e uma heranca mineratoria, registrada sob o signo atavico do ocio, do atraso, do isolamento. Os viajantes que passaram por Goias com seus olhos embotados de realidades europeias conseguiram vislumbrar um aspecto comum: a decadencia da capitania. Esse estigma de terra do “atraso”, da “decadencia”, do marasmo e do ocio, serviu para se identificar o goiano – e criar o que chamariamos de goianice – por varios seculos, ate que outra construcao e outro estigma o substituisse, baseado na ideia de modernizacao em forma de progresso apregoada apos o movimento de 1930. Atraves do vies do progresso os arautos de 30 procuraram reconstruir a imagem de Goias e imprimir uma face mais contemporânea ao estado, o que poderia ser visto como a tentativa de inserir a regiao na construcao da nacao. Assim, a titulo de representacao, a “goianice” nos remete a epoca em que a ideia de “decadencia” serviu para rotular o contexto da historia de Goias apos a crise da mineracao, enquanto que o que chamamos de “goianidade” nos indica a construcao da ideia de modernizacao atraves de uma de suas representacoes, o progresso, fruto dos projetos politico-economicos do pos-30 em Goias. A “goianidade” abrange uma epoca em que se procura mesclar o “velho” e o “novo”, fundir o “antigo” e o “moderno”, envolver o rural e o urbano e confluir o “atraso” e o “progresso” pelos caminhos da historia. Culturalmente, porem, somos fruto de uma mesticagem maravilhosa, resultado dos elementos que nos compuseram e nos legaram um potencial fantastico de tracos culturais entre o indio nativo, o negro africano e o branco europeu, tracos estes que podem ser encontrados da literatura as artes plasticas, passando pela musica e pela danca. Somos o arquetipo do desejo da realizacao, a vida comunitaria dos indios que os hippies tentaram um dia adotar, somos a secular batucada e ritos africanos, onde os Kalunga nos guardam desde tempos imemoriais. Somos a modinha lusitana nos saraus de Vila Boa, o traco europeu nas operas dos barracoes de Meya Ponte, hoje Pirenopolis, somos ainda a heranca espanhola ou portuguesa das cavalhadas, a viga mestra do cristianismo na procissao do fogareu na Cidade de Goias e somos mais ainda nos, os goianos, os homens pardos de que nos falou Luiz Palacin, na catira, nas folias de reis e do divino ou na danca do congado de Catalao. Aprendemos a ser musicais, afromusicais, euromusicais, pardo musicais. Bandas como a Corporacao 13 de Maio de Corumba de Goias ou a centenaria Banda Phoenix de Pirenopolis reproduzem nossa melhor heranca musical dos seculos XVIII e XIX. As maos autodidatas de Veiga Valle teceram arte em santos barrocos de Meya Ponte a Vila Boa. Hugo de Carvalho Ramos traduziu a sociedade

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