Artigo Revisado por pares

A questão racial na gestação da antropofagia oswaldiana

1999; Volume: 12; Issue: 23-24 Linguagem: Português

10.1353/ntc.1999.0008

ISSN

1940-9079

Autores

Heloísa Toller Gomes,

Tópico(s)

Cultural, Media, and Literary Studies

Resumo

A QUESTAO RACIAL NAGESTAÇÂO DAANTROPOFAGIA OSWALDIANA _________________HELOISA TOLLER GOMES__________________ Universidade do Estado do Rio de Janeiro Pontificia Universidade Católica / Rio de Janeiro No fundo da mata-virgem nasceu Macunai'ma herói da nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Mario de Andrade Vous n'avez qu'à vous pencher sur la mer ou, à la fazenda, étendu dans le hamac de la véranda vous laisser bercer par les appels mystérieux, diurnes et nocturnes, de la forêt vierge. Biaise Cendrars A revoluçâo cultural e a renovaçâo estética —ambiciosas propostas da manifestaçao mais ousada do modernismo brasileiro, a antropofagia oswaldiana — mostraram, curiosamente, poucos frutos quanto a um aspecto crucial da formaçâo da nacionalidade brasileira, cujo inventario crítico os antrop ófagos viam como indispensável. Referimo-nos à questäo étnica na complexidade que a caracteriza e na qual se destacam, no Brasil, a presença africana e seu legado. O presente ensaio remonta aos dois Manifestos básicos de Oswald de Andrade, o Manifesto da Poesía Pau-Brasil (1924) e o Manifesto antropófago (1928), vendo no primeiro a gestaçâo, de certa forma abortada, de um tratamento cultural potencialmente mais ampio e rentável da problemática racial brasileira —já anunciado na prosa romanesca de Memorias sentimentais de Joäo Miramar (1923) e confirmado nas realizacóes da Poesía Pau-Brasil (1925). A questäo racial seria revista por Oswald em sua obra ensaística — especialmente em alguns dos textos reunidos, anos mais tarde, em Ponía de lança. O Manifesto antropófago, por sua vez, näo contém referencias nem remete à presença afro-brasileira, quer em termos populacionais, quer cultur áis. Procuraremos distinguir os possíveis motivos subjacentes à mudança de rumo apontada buscando, na produçâo oswaldiana e no contexto cultural daquela segunda metade da década de 1920, subsidios esclarecedores do désintéresse, mesmo da negaçâo, da temática negra e seu nao aproveitamento estético. Este ensaio tem, pois, um escopo e um objetivo específicos: näo se trata, aqui, de fazer um balanço geral da antropofagia oswaldiana, em sua©1999 NUEVO TEXTO CRITICO Vol. XII No. 23/24, Enero a Diciembre 1999 250______________________________________________HELOISA TOLLER GOMES originalidade vitalista e com a riqueza de inovaçâo formal que a caracteriza. Trata-se, sim, de verificar como se comportou em sua elaboraçao e emergencia a temática racial. Conforme sempre sucede, porém, ao se tratar da problemática racial no Brasil, qualquer que seja o ángulo abordado, a quest äo tende a extrapolar em tempo e espaço os limites do exame proposto. Paralelamente, torna-se difícil limitar a sempre apaixonante reflexâo sobre a contribuiçâo literaria de Oswald de Andrade a algum aspecto determinado, tais seu brilho e variedade de recursos. Estabelecido o desafio, passemos ao trabalho. Tanto antes quanto depois da fase antropófaga, Oswald de Andrade discorreu diversas vezes sobre o componente negro em nosso país. Em varias ocasióes comentou as idéias de Gilberto Freyre e Sergio Buarque de Holanda , discutiu as relacóes raciais entre nos, comparou as relacóes raciais no Brasil com as de outros países. No interior da Poesía Pau-Brasil, escreveu a impressionante série dos "Poemas da Colonizaçào". O reconhecimento da contribuiçâo africana no Brasil encontraría, em Oswald, sua explicitaçao mais direta em inicios dos anos 40. Oswald referir-se-ia, entäo, ao "[orgulho] da mistura milionária que nos trouxe a África, com seus grandes nagós, seus filóes de cultura sudanesa e oriental e seus rijos e álacres trabalhadores do Benin e de Angola". Entretanto, na proposta e na elaboraçao da antropofagia — ou seja, no Manifesto de 1928 e nas duas edicóes da Revista de antropofagia — percebe-se uma retraçâo no tratamento da temática afro-brasileira , um "passar ao largo" da mesma que pode surpreender —principalmente se se comparar a produçâo oswaldiana de 1928-29 ao Manifesto de 1924. Neste, a questäo emerge, com implicaçôes interessantes que examinaremos. A retraçâo posterior de que...

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