Assistente social ou repórter? Fiscal do trabalho ou policial?
2008; UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA; Volume: 11; Issue: 1 Linguagem: Português
10.1590/s1414-49802008000100015
ISSN1982-0259
Autores Tópico(s)Social and Political Issues
ResumoA mais recente obra da professora Nair HeloisaBicalho de Sousa “discorre sobre o processo de for-macao do sujeito coletivo na construcao civil com basenas experiencias dos trabalhadores no mundo privadoe nos conflitos vivenciados no cotidiano do trabalho,nos quebra-quebras e nas greves...” A autora propoecomo hipotese central “a capacidade que tem [o sujei-to coletivo] de configurar uma identidade de interes-ses que permita instrumentalizar a luta coletiva pelacriacao de direitos com base nas experiencias do mundoprivado, nos conflitos vivenciados no cotidiano de tra-balho, nos quebra-quebras e nas greves.”O locus privilegiado da pesquisa se concentrounos canteiros de obra, no Distrito Federal e Entorno,mas tambem em Natal, Joao Pessoa, Belo Horizon-te, Rio de Janeiro e Sao Paulo. A pesquisa e caracte-rizada como qualitativa, pois coloca como eixofundante a interpretacao do material de campo cole-tado atraves da utilizacao de tecnicas de observacaodireta em visitas aos canteiros de obra e de entrevis-ta (cerca de 200). Os atores estrategicos entrevista-dos individual e coletivamente foram os operarios, asoperarias, os dirigentes sindicais da categoria, e osdiferentes gestores da producao na construcao civil.Complementa essa analise qualitativa certaquantificacao dos fenomenos tratados atraves do le-vantamento documental em entidades como IBGE,CNTI, CUT, sem perder o enfoque qualitativo.O livro, que consta de 258 paginas, esta organiza-do em apresentacao, introducao, cinco capitulos, econclusao, seguidos das referencias bibliograficas edocumentais. Apos explicar a trajetoria realizada nosseus aspectos epistemologico, metodologico e teori-co (apresentacao e introducao), a autora se debruca,sucessivamente:a) no tratamento da vida familiar dos trabalhado-res como o espaco da conformacao dos afe-tos mais intimos, da construcao da solidarie-dade com parentes e vizinhos, e da afirmacaodos valores morais em torno do mandato deprovedor familiar como eixo da definicao daidentidade privada e paralelamente suporte davida publica.b) no cotidiano do canteiro da obra, consideradoo espaco privilegiado para a constituicao dasociabilidade operaria, e tambem para a apari-cao dos sentimentos de submissao e de rebel-dia nas relacoes dos operarios com os gestoresda producao;c) no desenvolvimento da identidade operaria mo-mentânea, na qual os trabalhadores vao perce-bendo interesses comuns e forjando estrategiascoletivas em favor da defesa de seus direitos,utilizando diversas formas como o “no-cego”ou o “quebra-quebra”, entendidas como lingua-gem de expressao do protesto em relacao a nao-cidadania dos trabalhadores da construcao;d) na emergencia e na gradativa consolidacao dosujeito coletivo atraves das greves e outrasacoes da categoria em Brasilia, considerandoespecialmente momentos de cristalizacao dasidentidades momentâneas e de emergencia dosujeito coletivo, como foram as greves reali-zadas em 1979 – caso ilustrativo de manobrasindical deslegitimada pelas bases, e em 1990– caso ilustrativo da mobilizacao nos proprioscanteiros de obra e do surgimento do movi-mento de base da construcao civil;e) na construcao da cidadania entre esses os tra-balhadores, explorando as representacoes so-ciais do direito, da lei e da justica na perspec-tiva da cidadania operaria (Capitulo “Direito,lei e justica”); e, finalmente,f) num olhar em retrospectiva sobre o percursodo estudo, reconhecendo seus pontos de desta-que e tecendo relacoes com as teorias que ori-entaram a procura e a analise realizada – acentralidade do conceito de configuracoes declasse (tributado a Eder Sader), o nao-reconhe-cimento na condicao de sujeitos de reivindica-coes legitimas dos trabalhadores pobres urba-nos (Vera Telles), o sentimento de dignidadeviolentada (Lais Abramo), os meios de pressaoe expressao desse sentimento (Michelle Perrot),a cidadania coletiva diferenciada (Celia Paoli),a constituicao do sujeito coletivo de direito (JoseGeraldo Sousa Junior), e de uma cultura da ci-dadania (Marilena Chaui).Com base nesse imponente arcabouco teorico,Bicalho de Sousa analisa com maestria “o processode formacao do sujeito coletivo dos trabalhadores daconstrucao civil”, propondo a articulacao desse pro-cesso em tres niveis articulados entre si:a) no âmbito da constituicao de uma identidadecoletiva operaria, desenvolvida principalmenteno cotidiano de trabalho nos canteiros de obra,onde a pressao e a reivindicacao dos diferentesgrupos constroem o modo de ser da classe;b) no campo do conflito, quando os operariosvivenciam os sentimentos de revolta e humi-lhacao face a injustica presente no canteiro deobra, organizam a revolta e assinalam momen-tos de ruptura significativos; ec) na capacidade de criacao de direitos, atravesda afirmacao da cidadania num processo dedeclaracao publica dos seus direitos e obten-cao do reconhecimento publico destes.Gostariamos de salientar dois aspectos contidosna obra em questao. Em primeiro lugar , a analise daaplicacao dos quebra-quebras nos canteiros de obraexplica a violencia como consequencia da arbitrarie-dade e da falta de resposta as demandas geradaspela exclusao, privacao e humilhacao vivenciadascotidianamente pelos operarios da construcao civil:
Referência(s)