Artigo Acesso aberto

Breve histórico da psiquiatria no Brasil: do período colonial à atualidade

2007; Sociedade de Psiquiatria do Rio Grande do Sul; Volume: 29; Issue: 2 Linguagem: Português

10.1590/s0101-81082007000200005

ISSN

1806-9398

Autores

Luiz Salvador de Miranda-Sá,

Tópico(s)

Health, Nursing, Elderly Care

Resumo

Sob a designacao de psiquiatria incluem-se tres tipos de conceitos diversos, apesar de correlacionados: a assistencia, o conhecimento e o ensino do conhecimento psiquiatrico. Como nao e possivel abarcar todo esse universo, trataremos aqui e agora apenas de um aspecto do primeiro conceito: a assistencia psiquiatrica publica. A assistencia aos doentes no Brasil colonial era extremamente precaria. A maior parte dos cuidados era prestada por curandeiros de todos os matizes, inclusive sacerdotes catolicos (especialmente os jesuitas). Os medicos formados eram rarissimos, e mesmo os cirurgioes e barbeiros licenciados dificilmente eram encontrados, a nao ser nos centros maiores, e serviam principalmente as pessoas importantes. Nao havia especialistas em psiquiatria, mas os hospitais da Irmandade da Santa Casa abrigavam, mais que tratavam, os enfermos mais necessitados. Sem casa e sem recursos – ou sem eira e sem beira, como se dizia na epoca. Sem eira porque nao tinham propriedades rurais, nem beira, ou uma casa, um telhado com beiral sob o qual pudessem viver. Os mais pobres de todos nao tinham onde cair mortos, ou seja, nao tinham um tumulo em uma igreja onde pudessem ser sepultados para fugir a vala comum. Os enterros “decentes” so comecaram a ser feitos fora das igrejas no seculo XIX. Os hospitais, ate o seculo XVIII, confundiam-se com albergues para pessoas doentes que nao tivessem quem cuidasse delas. Os hospitais das Irmandades das Santas Casas de Misericordia acolhiam e albergavam esses doentes em condicoes sanitarias muito mas, mesmo para aquele momento historico-social. Foi entre o fim do seculo XVIII e inicio do XIX, com o avanco do conhecimento cientifico e da consciencia social, que a medicina comecou a tomar a forma atual. A Revolucao Francesa, no plano politico, e os avancos cientificos relacionados com a Revolucao Industrial, no plano economico, foram as influencias mais significativas desse processo. Foi quando a assistencia aos doentes mentais se tornou medica. Surgiu na Franca, com a reforma patrocinada por Pinel e instituida por Esquirol, e que serviu de modelo para as transformacoes na assistencia psiquiatrica de todo o mundo ocidental. Foi quando a assistencia aos doentes mentais se transformou em responsabilidade medica e estatal. No Brasil, tambem foi ai que nasceu a assistencia psiquiatrica publica, ja reformada segundo os valores da epoca. O Brasil sofrera grandes transformacoes socioeconomicas e politicas. A corte portuguesa se mudara apressadamente para o Rio de Janeiro, tangida pela invasao das tropas napoleonicas; o pais deixara de ser colonia e fora transformado em reino unido com Portugal e Algarve, o que representou uma enorme promocao em seu status politico. A abertura dos portos, o fim da proibicao de atividades economicas e educacionais que havia caracterizado o regime colonial dera origem a uma nova situacao economica, cultural e politica. A Independencia, a superacao da monarquia absoluta e a adesao ao liberalismo economico marcaram esse momento e se refletiram em todos os aspectos da vida nacional – inclusive na assistencia psiquiatrica. O inicio da urbanizacao, premissa e consequencia dessa transformacao, mudou a fisionomia do Rio de Janeiro, de Ouro Preto e Salvador (unicas cidades brasileiras dignas de serem consideradas “urbanizadas”) e, por outro lado, criou, ampliou e expos novos problemas sanitarios. Um deles dizia respeito aos enfermos psiquiatricos, que, se eram inoperantes nas pequenas comunidades rurais, tornavam-se visiveis e perturbadores no meio urbano. Cuidar deles se transformou em um onus dificil de ser suportado ate pelas familias, tanto no plano objetivo como no subjetivo. O Hospicio do Rio de Janeiro foi inaugurado como parte da comemoracao da Declaracao da

Referência(s)