Castilho, tradutor ou poeta anacreôntico?: a Lyrica de Anacreonte, 1866
2011; Coimbra University Press; Volume: 63; Linguagem: Português
10.14195/2183-1718_63_33
ISSN2183-1718
Autores Tópico(s)Linguistics and Language Studies
ResumoIn 1866, Feliciano de Castilho, always such a controversial and ingenious poet, published his poetic version of what he considered to be the poems of Anacreon. However they were in fact an adaptation to the national lyric forms of 53 of the existing 60 Anacreontic poems. This study focuses on that edition and aims to detect the editions and translations that might have been the basis of his work. Moreover, by analyzing a few examples, it also tries to examine the thin boundaries between translation and poetic recreation. Key-words: Castilho (Antonio Feliciano de), Anacreon, Anacreontea, translation, poetic recreation. A figura e a obra de Antonio Feliciano Castilho (1800-1875) ficariam para sempre marcadas por uma serie de episodios e polemicas artisticas e pessoais, sobretudo no contexto da afirmacao do Realismo em Portugal, que tantas vezes ofusca, pelo menos para o publico culto mas menos informado, a riqueza de uma obra poetica e de traducao dos classicos impar entre nos. Cego aos seis anos de idade, em consequencia de um surto de sarampo, desde a infância se dedicou ao estudo das linguas e culturas classicas no Geral do Cunhal das Bolas, e consta que, com cinco anos, ja versejava em latim e traduzia versos de Ovidio2. Entre 1810 e 1815 frequenta, com os 2 Ele mesmo confessa que “daqui se originou, em parte, o gosto e propensao com que ficou para a Musa classica romana, e em particular para Ovidio e Virgilio” (in Castilho 1909, I: 12). Para uma visao de conjunto da formacao de Castilho, vd. Ferreira 1971: 104. Noutro passo, o proprio reflecte, em elegante prosa poetica, sobre a importância matricial dos classicos – da lingua e cultura latinas sobretudo – na sua formacao pessoal e artistica: “Brincamos, crescemos com Romulo e Remo, e ainda os vimos mamar na loba, que por sinal era ruiva, na margem do Tibre, ali onde estava uma fogueira. (...) E direi mais, porque e verdade: qual e de nos o que n’esses dias d’entre puericia e juventude, cathequisado pagao pelo Chompre, e confirmado tal pelo seu Tibullo, Propercio e Ovidio, nao contemplou com anciedade a luta do Christianismo, recem-nascido e coroado de espinhos, com o paganismo velho e coroado de flores? (...) Isto, que sucedeu a todos os que ainda estudamos Latim, tambem ja havia passado pelos nossos poetas velhos, donde veio sairem todos eles, no que escreveram, tao pagaos como um aruspice; e, quando nao, la esta o Camoes, que ha-de ser o que sempre em tudo se ha-de citar: baptisado tinha ele sido, mas quem o procurasse achar havia de ser n’um banho de Castalia ou de Aganippe.” (Castilho 1904: 87-91). 587 Castilho, Tradutor ou Poeta Anacreontico? (A Lyrica de Anacreonte, 1866) irmaos Adriano e Augusto, a Real Escola Literaria do Bairro Alto, onde aprofunda os estudos de latim e retorica; e, a partir de 1816, o Mosteiro de Jesus, onde frequenta aulas de filosofia racional e moral. Forma-se em Direito, em Coimbra, em 1822, e so depois disto vai aprofundar os estudos de retorica com Maximiliano Pedro de Araujo. Em termos literarios, cedo adopta os principios do Arcadismo remanescente, aos quais permaneceria fiel ate ao final da vida, pese embora as incursoes que fez pelos trilhos do Romantismo, do Ultra-Romantismo e mesmo do Realismo. Das suas primeiras obras, Cartas de Eco a Narciso (1821), A Primavera (1822) e Amor e Melancolia (1828) sao bons exemplos da profunda influencia classica e de um uso classicizante da linguagem, misturados por um impeto solitario de inspiracao romântica. Os autores e temas classicos, de resto, estariam bem presentes ao longo de toda a producao de Castilho, sendo inegavel a sua influencia mesmo em obras da maturidade, de que A Felicidade pela Agricultura (1849), embebida do espirito das Georgicas virgilianas e da aurea mediocritas horaciana, e talvez o melhor exemplo3. E apos a formacao em Coimbra que Castilho se recolhe a pacata vila de Castanheira do Vouga, onde era paroco o seu irmao Augusto, e inicia aquele que muitos consideraram o trabalho em que se revelaria mais eficiente: o de traducao dos classicos. Comeca por concluir a inacabada versao bocagiana das Metamorfoses de Ovidio (1841), para mais tarde traduzir Pindaro, Virgilio (Georgicas, 1867), as odes anacreonticas (1866), Juvenal, Persio, Moliere, Shakespeare, Goethe e Cervantes. No verbete que lhe dedica na enciclopedia Verbo, considera M. Leonor Carvalhao Buescu que “Castilho e eximio tradutor: a par da fidelidade, utiliza uma impecavel linguagem, e iguala, se nao ultrapassa, por vezes, a beleza e o folego do original”. A leitura das suas traducoes, e sobretudo dos paratextos que as antecedem, parece no entanto demonstrar o contrario. A figura do poeta ficaria indelevelmente ligada a assim designada “Questao do Fausto”, uma polemica despoletada pela publicacao da muito livre versao de Castilho do Faust de Goethe (Castilho 1872), a qual, num primeiro momento, reagiu muito negativamente o germanofilo Joaquim de Vasconcelos4, que a ela chegou a referir-se publicamente como “um aborto 3 A influencia dos autores classicos em Castilho, em especial no que aos temas campestres diz respeito, foi estudada por Toipa 2005: 149-167. 4 Sobre a problematica, que se arrastaria por varios anos e envolveria alguns dos mais importantes nomes da intelectualidade literaria do tempo, vd. Ferreira de Brito 2000: 191-196.
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