
Promessas e limites da democracia deliberativa
2001; National Association of Post-Graduate Research in Social Sciences; Volume: 16; Issue: 46 Linguagem: Português
10.1590/s0102-69092001000200011
ISSN1806-9053
Autores Tópico(s)Social Media and Politics
ResumoNa teoria democratica das ultimas decadas, e visivel a ampliacao da influencia das vertentes deliberativas. Com sua enfase nos aspectos discursivos do processo politico — e a visao normativa associada da participacao de todos no debate como criterio de legitimidade —, os chamados “deliberacionistas” ocupam hoje o lugar central nas discussoes sobre o significado da democracia. De diferentes formas, estao vinculados a corrente nomes como James Bohman, Joshua Cohen, Iris Marion Young, Amy Gutmann, John Rawls e Cass Sustein, alem do seu principal inspirador, Jurgen Habermas. Fundada na tradicao da teoria critica, a democracia deliberativa tornou-se a principal alternativa a visao liberal-pluralista hegemonica (em vez da defesa da participacao direta e da democracia industrial, que estiveram em voga nos meios radicais dos anos 1960 e 1970). Mais importante ainda, ela e levada em consideracao pelos proprios expoentes da percepcao hegemonica, que se veem obrigados a refuta-la ou, como ocorre cada vez mais frequentemente, a incorpora-la em suas proprias construcoes teoricas. Em Deliberative democracy and beyond, John Dryzek, professor da Universidade de Melbourne, ele proprio um “deliberacionista” de primeira hora, expoe os impasses atuais da corrente. Segundo o autor, a teoria democratico-deliberativa esta perdendo seu impulso critico, sendo incorporada como um aspecto a mais dentro do constitucionalismo liberal. Com isso, o projeto original de radicalizacao das instituicoes democraticas, aproximando-as do ideal de autonomia como producao coletiva das normas sociais, perde terreno para uma acomodacao com o status quo dos paises avancados, em que se acrescem apenas novos requisitos formais de legitimidade. A critica de Dryzek e convincente e a revisao que faz da literatura sobre o tema, muito util. Mas seu livro e tambem uma demonstracao eloquente de que nao ha solucao para o impasse dentro dos marcos da teoria deliberativa. Sua proposta de resgate dos aspectos criticos e emancipatorios do deliberacionismo acaba esbarrando em limites similares aqueles que condena em outros autores. Numa formulacao um tanto ingenua, mas que captura alguns dos aspectos essenciais da corrente, a democracia deliberativa exige que as decisoes politicas sejam tomadas por aqueles que estarao submetidos a elas, atraves do “raciocinio publico livre entre iguais” (Cohen, 1998, p. 186). Participacao de todos, argumentacao racional, publicidade, ausencia de coercao e igualdade sao os valores que devem balizar as tomadas de decisao em regimes democraticos. A ausencia de qualquer um deles compromete a legitimidade dos resultados. Embora, a primeira vista, os ideais da democracia deliberativa deem pouco motivo para polemica, fica a questao de sua relevância para as sociedades reais, com toda a desigualdade e dominacao que nelas tem lugar. Boa parte dos deliberacionistas atuais, segundo Dryzek, parece acreditar que a batalha pela implantacao (ou aprimoramento) dos mecanismos de democracia deliberativa gira em torno de mudancas constitucionais e legais. Ai reside a capitulacao perante a perspectiva liberal. No entanto, os agentes de distorcao da pratica democratica “incluem discursos e ideologias dominantes, muitas vezes entrelacados com forcas economicas estruturais. No mundo de hoje, a mais determinante de tais forcas emana da economia politica transnacional, impondo severos constrangimentos sobre o que e possivel em termos tanto do conteudo da politica publica quanto do grau de democracia que pode ser tolerado na producao estatal de politicas.” (p. 21). O deslocamento em direcao ao liberalismo seria perceptivel na obra do proprio Habermas. Quando elabora sua teoria da acao comunicativa, o filosofo alemao trabalha em tal grau de abstracao que, a rigor, nao e possivel falar numa teoria da democracia. No momento em que ele finalmente volta sua atencao para as instituicoes politicas, no
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