
Meada de Muitos Fios: o Legado de César Ades
2012; Volume: 7; Linguagem: Português
10.11606/issn.2316-9060.v7i0p15-18
ISSN2316-9060
Autores Tópico(s)Child and Animal Learning Development
ResumoCesar Ades (8/1/1943 – 14/3/2012) falou, pensou e escreveu sobre a memoria em diversos momentos de sua riquissima vida academica. E fez essas tres coisas – falar, pensar e escrever – acerca de um vasto conjunto de outros assuntos psicologicos, etologicos e psicoetologicos: aprendizado; motivacao; emocao; comunicacao; comportamento animal de dezenas de especies; comportamento humano; consciencia; o conceito de eu; cognicao; percepcao; ensino; adaptacao; evolucao. Nao e facil entender como ele conseguiu estudar tal variedade de assuntos e produzir tanto pari passu com sua inesquecivel dedicacao ao ensino, a orientacao, a participacao em eventos cientificos, a divulgacao cientifica e a atividade administrativa. Suas importantes descobertas precisam ser celebradas, mas creio que a melhor forma de apreciar seu legado e contemplar o conjunto de sua obra, nao apenas as centenas de textos, mas, igualmente, os efeitos de suas atividades didaticas, de suas palestras e de suas iniciativas institucionais em favor de nosso meio cientifico. Antevejo que nos proximos meses e anos ganhara ainda mais forca a consciencia que temos todos de seu papel no desenvolvimento do ambiente multidisciplinar (Psicologia, Biologia e outras) do estudo do comportamento. Inspirado por suas reflexoes sobre a memoria, venho aqui recordar algumas passagens de sua vida academica. Cesar cultivava a arte de conversar. Certa vez, numa de nossas inumeras e prolongadas conversas, falavamos sobre observacoes classicas de Charles Darwin e sobre experimentos subsequentes com animais diante de espelhos e das evidencias necessarias para concluir que tem autoconsciencia. Discutiamos os resultados negativos e a precariedade de interpreta-los de forma simetrica aos positivos. De ponto em ponto, a discussao levou-nos a inscricao na entrada do templo de Apolo e a divagar sobre o tipo de espelho que seria necessario para seguir aquele conselho. Lembramo-nos das lendas sobre os vampiros e da ideia de que eles talvez vejam a verdade ao nao ver nada no espelho. Rimos. A serio, porem, Cesar recuava diante dessas vertigens, e assumia tacitamente a realidade objetiva da consciencia humana, unicamente humana, deixando aos animais uma consciencia menor. Noutra ocasiao, Cesar falava-me da audacia de tantos psicologos e etologos que se apegavam a uma ideia, propria ou alheia, e com ela faziam suas carreiras. Cesar ilustrava esse fenomeno com exemplos bem escolhidos. Diverti-me com os exemplos e entendi o contraste com seu modo de pensar. Cesar era a antitese dos paladinos das “escolas de psicologia”. O que poderia parecer ambiguidade, era prudencia. O que poderia parecer indefinicao, era sabedoria. Ambas derivadas de sua enorme erudicao. Comentei que talvez algumas dessas arrojadas “conviccoes inabalaveis” nao estivessem isentas de uma dose de oportunismo. Cesar concordou, ampliou com bons exemplos, mas nao escondeu que sentia uma pitada de admiracao pela intrepidez das visoes radicais. As coisas ficavam mais simples, mais
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