A linha narrativa nas cantigas de Pero Meogo
2008; University of North Carolina Press; Volume: 48; Issue: 2 Linguagem: Português
10.1353/rmc.2008.0008
ISSN2165-7599
Autores Tópico(s)Galician and Iberian cultural studies
ResumoYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYY A LINHA NARRATIVA NAS CANTIGAS DE PERO MEOGO MARCELO DA SILVA AMORIM COMO a maior parte da produção poética ibérica medieval, as cantigas de Pero Meogo encontram-se espalhadas nos volumes do Cancioneiro da Biblioteca Nacional e no Cancioneiro da Vaticana. Coligir os cantos de Pero Meogo em uma edição diplomática ou exegética, como muitos estudiosos tentaram, nunca foi tarefa das mais simples, conforme demonstra Leodegário Azevedo Filho (As Cantigas de Pero Meogo 17-36), em uma crítica do estabelecimento do corpus da produção deste trovador . Por sua força argumentativa e investigativa, notório saber romanístico e admitida autoridade em filologia, elegemos o ponto de vista de Azevedo Filho para o repertório utilizado neste trabalho. Nossa análise geral privilegiará a série de nove cantigas de Pero Meogo, buscando obter uma recensão de seus principais traços na ambiência da estética trovadoresca medieval denominada “Cantigas de Amigo”. Com base em certos resquícios de procedimento narrativo, destacaremos a hipótese de que uma espécie de linha narrativa perpassa as nove canções, o que, segundo Azevedo Filho (As Cantigas de Pero Meogo 112), faz de Meogo “um antecipador da própria ficção moderna”. Isso se fará por amostragem, pelo simples levantamento de elementos típicos do gênero narrativo. Além disso, quando necessário, serão mapeados certos aspectos formais da produção poética. Não chega a causar surpresa o fato de encontrar-se uma linha narrativa nas cantigas de Pero Meogo, já que parece ser peculiar à cantiga de amigo certo hibridismo de gêneros, segundo anotam António José Saraiva e Óscar Lopes (História da Literatura Portuguesa 50): “Não se trata, no sentido actual da palavra, de poesia lírica, mas de um género sincrético primitivo em que se confundem o lírico, o dramático e o narraYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYY 227 tivo”. Por conseguinte, as percepções de Azevedo Filho (As Cantigas de Pero Meogo 112), que preconiza as condições ecléticas das cantigas de Meogo, adquirem relevo de lucidez dentro da estética lírica dos cancioneiros . Fundada em uma cultura arcaica e de traços regionais, a arte de trovar cantigas de amigo remonta às tradições folclóricas peninsulares (Saraiva e Lopes 56). Além dos testemunhos femininos de um amor que inaugura a versão mítica da paixão na literatura portuguesa, as cantigas apresentam basicamente as seguintes características: a) O eu-lírico assume a voz de uma donzela apaixonada que ora suspira de saudades pela ausência do amigo, ora anseia pelo momento do encontro marcado. Tal característica é muito importante, pois os traços distintivos da cantiga de amigo são a sensualidade e a possibilidade de realização do amor-paixão nos encontros amorosos. A donzela em geral vai à fonte lavar os cabelos, e nisto se encontra toda a simbologia de entrega amorosa. Trata-se do universo feminino. Uma explicação para tal fato é a de que, como sua origem perde-se no tempo, as cantigas incorporariam traços da cultura celta, que coloca a natureza como mãe de todas as coisas. b) Freqüentemente, as cantigas aparecem em forma narrativa – uma pequena história; outras também apresentam forma de diálogo. Quando isto ocorre, recebem o nome de tenção. c) A presença de elementos da natureza: a natureza, para o homem medieval, é o locus amoenus – o espaço do amor – em contraposição ao locus horrendus. As características do locus amoenus são a água, o para íso perdido e o culto ao verde. d) A cantiga de amigo é facilmente associada à dança bem como às cantigas de romaria. Azevedo Filho defende a idéia de que as cantigas de Pero Meogo não podem ser analisadas separada e independentemente umas das outras. O autor sustenta a hipótese bastante plausível de que tais cantigas compõem uma espécie de narrativa. E um dos motivos enumerados para tal afirmação é a presença de personagens bem demarcados: a mãe, a filha, as amigas...
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