
Só um pouco de silêncio
2008; UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS; Volume: 19; Issue: 1 Linguagem: Português
10.1590/s0103-73072008000100007
ISSN1980-6248
Autores Tópico(s)Cultural, Media, and Literary Studies
ResumoNa superficie da foto esta o frio das maos nos bolsos, a luz alongada do nascente. Ambos espalham uma madrugada gelada ate o distante horizonte. Os matacoes, nome que os geologos dao aos blocos de granito de origem vulcânica, marcam um tempo de antigas litofanias, reverenciando a imutabilidade da pedra. Depois a cerca, o bezerro que olha a oculta fotografa e, talvez, uma provavel atmosfera de silencio onde eu olho outras reses fora de quadro. Inverno na Serra das Cabras, onde fica meu lugar, minha casa e uma parte das raizes de minha vida. Num outro plano, alem das superficies fixadas pela câmera, esta o que nesta foto me atrai. Seu sentido, meu sentido, certamente emanado de tudo o que constitui esse fotograma que poderia ser resumido nestas palavras: o lugar que escolhi para que eu me aproxime com simplicidade de meu inevitavel fim. A vida, minha vida. O lugar, um dos lugares possiveis para tentar compreende- la, quieto. Acho que tambem tenho esperancas de escapar da dor e chegar ao fim numa doce passagem, para uma realidade desconhecida de natureza espiritual. Foi a maneira que me coube de vencer esse final inexpugnavel. E o espiritual que vem a mim dessa foto, sua possibilidade de tornar-se visivel aos sentidos por estar em um lugar onde a vida natural ainda esta presente. De dia, os passaros, o sol em seu vai-e-vem de equinocio a solsticio, os animais, seus ciclos de acasalamento, os nascimentos de cavalos, cachorros, bezerros e aves, a alegria de todos os filhotes apos as chuvas de verao. Na noite, a lua em suas fases e o rodar lento das constelacoes. Reunioes de corujas cantando em coral e profusao de sapos e grilos saudando a lua cheia. Imagens cujo lirismo e impositivo a qualquer um que nao esteja oculto na vida nas metropoles. Ah, os sons e os cheiros emanam das fotos pela memoria do vivido. Nesta foto o primeiro elemento e a luz. Lambida, horizontal, que vem de uma fonte baixa colocada na altura dos olhos diante do horizonte. Luz-revelacao, indicio de um reflexo adquirido ha centenas de milhares de anos quando viviamos o incompreensivel de forma natural, projetando nele todos os deuses e demonios que cabiam dentro de nos mesmos. Viviamos a espontaneidade da ofuscante cegueira diante da luz. A possibilidade da futura consciencia, das distâncias implantadas pela analise ainda estava oculta, maturando nas sombras do fisiologico, embrioes do eu, repousando nos instintos inconscientes diante do mundo.
Referência(s)