
Um século de cólera: itinerário do medo
1994; UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO; Volume: 4; Issue: 1 Linguagem: Português
10.1590/s0103-73311994000100005
ISSN1809-4481
AutoresLuiz Antônio de Castro Santos,
Tópico(s)Food Safety and Hygiene
ResumoA sociologia histórica tem no método comparativo uma de suas ferramentas de trabalho imprescindíveis. Ao focalizar um século de epidemias de cólera em alguns países, o autor procurou demonstrar como um mesmo fenômeno histórico-social, estudado comparativamente, revela contrastes marcantes em seu impacto sobre a cultura, a sociedade e a política, em distintos lugares e através do tempo. Por exemplo, os diferentes processos de formação do Estado nacional marcaram profundamente a natureza dos aparelhos administrativos em países diversos, levando cada nação a desenvolver organizações sanitárias diferenciadas e modos diferenciados de combate às epidemias de cólera. Por outro lado, a análise histórico-comparativa permite entrever, no interior de cenários dissimilares, alguns padrões regulares de relacionamento entre doença e sociedade. Assim é que, apesar das diferenças que afetaram, em diversas comunidades nacionais, os valores éticos, as crenças e os comportamentos das classes sociais, da profissão médica, dos grupos religiosos e dos governos diante da cólera, houve alguns padrões simbólicos praticamente invariáveis: a análise comparativa permitiu detectar, por exemplo, que, fosse no Rio de Janeiro ou em Nova Iorque de meados do século passado, a cólera era considerada por todos um castigo divino, que atingia primeiramente as pessoas de comportamento social "reprovável". Neste artigo, o relato da tragédia humana vivida por Nova Iorque diante da cólera atende a um duplo objetivo: revelar como uma sociologia do cotidiano pode demonstrar a complexa interação doença, indivíduo e sociedade em uma metrópole do século XIX; e como, na análise de outra experiência histórica - a norte-americana -, pode-se descobrir fortes contrastes e semelhanças com o Brasil, fazendo do estudo de outra realidade um desafio para o conhecimento dos modos de enfrentamento da doença epidêmica pela população brasileira. Considerando-se seus efeitos macro-históricos, o aumento dos níveis de mortalidade foi bem menos brutal que seu impacto social e psicológico - o terror gerado pela cólera no cotidiano das famílias. Do ponto de vista epidemiológico, viu-se neste artigo que as epidemias foram geradas na Ásia por uma grande ruptura no equilíbrio entre micropa-rasita e hospedeiro humano - ruptura resultante, por sua vez, dos movimentos populacionais intensificados pelo imperialismo europeu. Partindo da índia, as ondas epidêmicas propagaram-se velozmente pela Europa e Américas, afetando sobretudo as populações mais pobres e residentes em áreas insalubres. Este é o quadro geral discutido no presente artigo, em que a sociologia histórica toma de empréstimo à epidemiologia histórica de William McNeill algumas de suas análises mais esclarecedoras.
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