Artigo Acesso aberto Produção Nacional Revisado por pares

A respeito da estruturação de dissertações e teses em administração

2002; Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (ANPAD); Volume: 6; Issue: 3 Linguagem: Português

10.1590/s1415-65552002000300012

ISSN

1982-7849

Autores

Moema Miranda de Siqueira,

Tópico(s)

Education and Public Policy

Resumo

O artigo de Pedro Lincoln Mattos me instigou, fazendo-me aceitar a proposta para comenta-lo. O interesse se originou da denuncia do excesso de zelo pelo metodo atinge hoje os trabalhos de dissertacao e tese em Administracao. O formalismo decorre dessa postura e provavelmente bastante responsavel pelas modestas contribuicoes ao conhecimento em geral esses estudos obtem. As exigencias e o puro rigor metodologico, assim como a familiaridade com tecnicas estatisticas, nao so pretendem assegurar o carater cientifico , como ajudam a apresentar o problema estudado com certa sofisticacao, muito agrada a academia. As criticas frequentes aos instrumentos utilizados e a dados trabalhados de forma insatisfatoria, quase sempre se restringem aos aspectos metodologicos. Desde 1994, Bertero e Keinert haviam identificado em estudos organizacionais brasileiros propostas cientificas empiricistas de construcao teorica. O estudo de Carrieri e Luz (1998) sobre dissertacoes da UFMG nas areas de Sociologia, Ciencia Politica, Administracao, Educacao, Economia/Demografia, constatou as pesquisas privilegiavam a construcao de variaveis para a explicacao dos fatos, hipoteses e medicao das relacoes entre fatos. Ainda quando optavam por paradigma interpretativo, buscavam alternativas empiricas para identificar os metodos os individuos usavam para dar sentido e, ao mesmo tempo, construir suas acoes gerenciais cotidianas. As pesquisas pretendiam adotar uma analise mais dialetica , segundo os autores do estudo, acabavam usando referencias funcionalistas e explicacoes racionais. Martins (1997) encontrou o mesmo predominio das abordagens empirico-analiticas nas teses e dissertacoes defendidas entre 1980/1993 em tres programas de pos-graduacao de Sao Paulo (FEA/USP, EAESP/FGV e FEA/PUC). Esse vicio, contudo, nao e exclusivo da administracao, perpassando diferentes disciplinas, fruto do paradigma epistemologico da modernidade, racionalizante e especialista. Ja ha algum tempo, as criticas a essa postura vem sendo debatidas, propondo-se perspectivas inclusivas e abrangentes. A complexidade ressaltada na visao pos-moderna obriga a superacao das analises particularizadas, preconizando a inter e ate a transdisciplinaridade. Para mim, na Administracao, tal problematica e agravada por um dilema. De um lado, a formacao de seu corpo teorico, so se consolidou a partir da contribuicao de multiplas disciplinas, de diferentes ramos do conduz naturalmente a uma visao menos especializada de seu complexo objeto de estudo. Alem disso, sua configuracao como ciencia social aplicada acaba levando a busca de tendencias e generalizacoes facilitem sua acao instrumental. Concordo com o Professor Pedro Lincoln esta dicotomia e uma questao paradigmatica, nao se confundindo com opcoes metodologicas. A discussao sobre separacao teoria e parece ha algum tempo ultrapassada pela epistemologia (filosofia da cidencia) e por muitos dos analistas da teoria de organizacoes. Como bem ressaltam Mardsen e Townley (2001, p. 31), na Introducao do volume 2 do Handbook de Estudos Organizacionais, pratica e um constructo teorico e a teorizacao e, em si mesma, uma A Teoria Organizacional nao so reflete a organizacional como ajuda a construir essa pratica. E verdade o relativismo do pos-modernismo, ao defender a impossibilidade de uma observacao teoricamente neutra, acabou reduzindo a confianca no trabalho empirico, a favor da seguranca relativa da teoria. O interesse crescente pelas mudancas estao ocorrendo na sociedade, como as novas formas organizacionais e as novas experiencias de espaco e tempo, fazendo com o passado deixe de ser uma referencia segura para o futuro, impoe multiplas e ate conflitantes leituras. Isto, ao estimular o dissenso, a discussao e a argumentacao, parece atender de perto ao desenho projetado pelo Prof. Pedro Lincoln Mattos para as dissertacoes e teses em Administracao. No entanto, as revisoes sobre os estudos organizacionais, dentro e mesmo fora do Brasil, se tornaram frequentes na decada de 90, constatam a maioria continua dominada pela ortodoxia positivista, contribuindo apenas com acrescimos conceituais e teoricos as estruturas de conhecimento existentes. Producao periferica, epistemologicamente falha, metodologicamente deficiente, sem originalidade e pratica, em grande escala, mimetismo mal informado (Bertero, Caldas e Wood, 1999). Os trabalhos sao frequentemente ilustrativos ou descritivos, sem pretensoes de uma construcao indutiva de Os pressupostos da teoria normal, respondendo de perto aos interesses dominantes, dificultam qualquer mudanca de paradigma. Concordo a angustia normalmente acomete os autores na fase de producao de dissertacoes e teses, pode levar a uma sofisticacao inadequada daqueles trabalhos, valorizando a forma em prejuizo do conteudo. Costumo interpelar orientandos e mesmo alunos em bancas das quais participo sobre o excessivo referencial teorico, muitas vezes sem compatibilizacao direta com o proprio objetivo da dissertacao ou tese, a nao ser quando a mesma pretenda ser uma grande revisao do estado da no tema proposto. No entanto, tendo a ser condescendente nas dissertacoes de mestrado, considerando a etapa de formacao academica do aluno, o tempo e esforco despendido nas pesquisas bibliograficas e o momento ritualistico essa producao ainda representa. A citacao de Kuhn confirma essa assertiva: teses e dissertacoes sao rituais de entrada e de maturidade nas academias. Voltando a pretensao do autor do documento de elas se constituam em espacos da arte argumentativa para avancar o conhecimento, me parece ainda um pouco utopico, pelo menos no se refere as dissertacoes. Uma das dificuldades, alem das ja apontadas, segundo meu modo de ver, sao os criterios de avaliacao fundamentam os pareceres de recomendacao e reconhecimento dos programas de pos-graduacao. O prazo de duracao dos cursos de mestrado, fixado em dois anos, e do doutorado, em quatro anos, e o consequente indicador de terminalidade (numero de dissertacoes e teses defendidas no prazo), e um limitante as caracteristicas atuais de nossas dissertacoes e teses. Houve, ate mesmo, da parte da CAPES, sob o argumento de nossas dissertacoes eram complexas e robustas do aquelas da maioria dos programas de pos-graduacao de outros paises, uma sugestao para esses trabalhos fossem simplificados. A grande dependencia dos estudos organizacionais a uma gama de disciplinas, de diferentes naturezas e objetos, impondo multiplas e ate conflitantes leituras, torna imensamente complexa a tarefa de fazer avancar o conhecimento. Mesmo, ou talvez justamente por isso, aceita-se a afirmacao de Popper (1974), citada pelo Prof. Pedro Lincoln, de o conhecimento preferivel nao e o certo, mas o limite onde pudermos chegar. Isto pode ser a explicacao para o se constata, como fizeram Bertero e Keinert (1994), em relacao a opcao preferencial na producao academica brasileira por estudos mais empiricistas do por construcoes teoricas. Embora a confianca no trabalho empirico tenha sido abalada pelo relativismo pos-modernista, com o receio da contaminacao e pelo reconhecimento da impossibilidade de uma observacao teoricamente neutra, e apesar do grande charme da ciencia organizacional contranormal e seus temas centrais (poder, cultura, tempo, espaco, estetica, emocao...), parece menos arriscado aqueles da area de gestao atolados na sempre dura tarefa de dissertacao ou tese, embrenharem-se pelo caminho da evidencia e da racionalidade. Da mesma forma, linhas de inspiracao estrangeira, com predominio absoluto de referencias bibliograficas de outros paises, principalmente Estados Unidos, refletem tanto a exigencia dos proprios programas - e da CAPES em nivel superior para conste na bibliografia consultada autores estrangeiros, como certo preconceito contra nossa producao propria. Enquanto esses criterios nao forem discutidos e revistos, continuaremos consumidores e nao produtores originais de teorias e conceitos, sem as devidas reducoes sociologicas cada vez necessarias a alternativas de gestao auto-sustentadas. Por outro lado, a visao de a teoria diz respeito ao pensamento e reflexao, enquanto a refere-se a acao, ao mundo real, quase como antitese a teoria, ainda perturba alguns estudiosos da area de gestao. Existe mesmo um certo pudor de se envolver com as questoes praticas . Uma das razoes, ja bem ressaltada, e que, embora a Teoria Organizacional seja essencialmente teoria de gestao , fala e prescreve para quem gerencia e muito pouco dos sao gerenciados. A ciencia social contranormal e uma tentativa de reincorporar a analise as caracteristicas da afetividade humana que escapam aos calculos. Ja existe bastante concordância sobre o risco da razao sozinha ser a unica referencia para a organizacional. Considera-se indispensavel a introducao de regras de convivencia etica, limites do respeito entre os participantes, valores orientem o quotidiano entre as pessoas na organizacao, reconhecendo e legitimando o espaco da afetividade e definindo o locus do relacionamento teoria/pratica. Talvez assim se concretize o desejo do autor ora comento, de os autores de nossas dissertacoes e teses tenham mais o que dizer e se sintam menos obrigados a dizer alguma coisa . Podera ainda reduzir a proporcao daqueles estudiosos da Administracao que, conforme constatado por Bertero, sentem-se pouco a vontade em escolas ou departamentos de Administracao, preferindo abrigar-se em grupos de outras ciencias sociais.

Referência(s)