Artigo Acesso aberto Produção Nacional Revisado por pares

Uma filosofia do cogito ferido: Paul Ricoeur

1997; UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO; Volume: 11; Issue: 30 Linguagem: Português

10.1590/s0103-40141997000200016

ISSN

1806-9592

Autores

Jeanne Marie Gagnebin,

Tópico(s)

Hermeneutics and Narrative Identity

Resumo

261 TRADUCAO DE varias obras recentes de Paul Ricoeur nos ultimos anos oferece uma ocasiao privilegiada de apresentar ao publico brasileiro a trajetoria, simultaneamente excentrica e exemplar, desse filosofo contemporâneo. Trajetoria excentrica com relacao ao suposto centro que figuraria o Hexagone, a Franca e, em particular, Paris. Ricoeur e um dos poucos filosofos franceses atuais que nao so le e traduz do alemao e do ingles, mas tambem dialoga com correntes internacionais de pensamento tao diversas como a fenomenologia alema (traduziu as Ideias I de Husserl ja em 1950), a hermeneutica de Gadamer ou a filosofia analitica inglesa e norte-americana. Esse dialogo multiplo, alias, constitui consideravel parte de seus textos. Em Tempo e narrativa, por exemplo, a discussao com Agostinho e Aristoteles, com Husserl e Heidegger, mas tambem com Braudel, Danto, White, Propp, Greimas, Weinrich, sem falar em Thomas Mann e Proust, ocupa mais da metade da obra. Tal confrontacao com pensamentos alheios levou a critica muito frequente de que Ricoeur nao teria um pensamento proprio. So saberia, como um bom professor (meio chato como sao os bons professores!), expor as ideias dos outros e corrigir-lhes os excessos. Gostaria, aqui, nao apenas de defender uma originalidade estonteante da filosofia de Ricoeur – tal originalidade, alias, me parece pertencer a pouquissimos, apesar das afirmacoes mercadologicas contrarias –, mas de ressaltar sua coerencia e sua generosidade. A questao central da obra, pois, poderia ser tematizada como a tentativa de uma hermeneutica do si pelo desvio necessario dos signos da cultura, sejam eles as obras da tradicao ou, justamente, as dos contemporâneos. A discussao aprofundada de outros pensadores aponta nao so para um habito academico e professoral, mas, muito mais, para uma abertura e uma generosidade no pensar que vai em direcao oposta a certo narcisismo jubilatorio e esoterico caracteristico de muitas modas filosoficas (e outras) contemporâneas. Trajetoria exemplar, portanto, se considerarmos como seu inicio a recepcao da fenomenologia husserliana nos anos 50 e seu ultimo livro mais sistematico, Soimeme comme un autre (2), que ja traz inscrita no seu belo titulo a questao da identidade (Soi-meme) e de uma invencao da identidade atraves das figuras da alteridade: comme un autre, insistindo tanto na dimensao metaforica como tambem etica dessa invencao. Ora, essa questao ja se encontrava, segundo Ricoeur, no centro de seu interesse pela fenomenologia husserliana. Com efeito, seu impacto sobre o jovem filosofo nao provem de sua pretensao a uma fundamentacao originaria e imediata da fenomenalidade pela consciencia pura – pretensao certamente presente e importante – mas de sua insistencia na intencionalidade dessa mesma

Referência(s)