
Infecção, soropositividade e doença: qual a diferença?
2005; Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz; Volume: 21; Issue: 5 Linguagem: Português
10.1590/s0102-311x2005000500036
ISSN1678-4464
Autores Tópico(s)Research on Leishmaniasis Studies
ResumoSenhor Editor, O artigo Leishmaniose em Caes Domesticos: Aspectos Epidemiologicos de autoria de Silva et al. 1, publicado em Cadernos de Saude Publica no volume 21, numero 1, de janeiro-fevereiro do presente ano, trata de aspectos importantes relacionados a leishmaniose visceral canina, o que, por sua vez, diz respeito a historia natural da leishmaniose visceral americana, uma vez que os caes sao apontados como principais reservatorios domesticos da infeccao por Leishmania (Leishmania) chagasi (= L. infantum), o agente etiologico da doenca. O trabalho traz a tona a antiga questao dos metodos sorologicos (IFA e ELISA) que sao utilizados, a meu ver, erroneamente, como criterio diagnostico definitivo da infeccao em caes, no Brasil. Do mesmo modo, os autores chamam atencao para a subestimacao das taxas de infeccoes em caes, quando da utilizacao de tais tecnicas sorologicas. Recomendam ainda, a utilizacao da tecnica Western blot (WB) para deteccao de antigenos especificos, tais como o peptideo 68,5kDa, citado como parâmetro para eliminacao de caes em areas onde a leishmaniose visceral americana e endemica. Entretanto, alguns equivocos conceituais e metodologicos necessitam ser comentados para que os resultados desse trabalho, importante no âmbito do Programa de Controle da Leishmaniose Visceral, no Brasil, nao sejam interpretados erroneamente. Peguemos como exemplo um trecho do inicio da discussao, na pagina 326: “uma alta prevalencia (25,0%) de caes infectados pela LVA”. Primeiramente, os 25,0% a que os autores se referem foi a soropositividade obtida por meio da IFA, e nao a infeccao, como esta escrito no trecho. Poderiamos predizer, pela presenca de anticorpos anti-L. (L.) chagasi, que os referidos caes estariam infectados? Nao necessariamente. A possibilidade de reacoes cruzadas, na IFA ou no ELISA, ja e fato sobejamente demonstrado em nosso meio. Adicionalmente, anticorpos maternos podem ser transferidos para a prole, sem que a infeccao o seja. Logo, afirmar que os caes soropositivos na IFA estejam, necessariamente, infectados e um erro corriqueiro que nos, pesquisadores, nao podemos mais cometer, no Brasil. No mesmo trecho, e em outro na mesma pagina, os autores afirmam: “infectados pela LVA”. Um erro conceitual. Quem se infecta, se infecta pela L. (L.) chagasi, tornando-se, eventualmente, soropositivo e/ou doente. Esse conceito parece mais claro quando estamos nos referindo a AIDS, por exemplo. O individuo se infecta com o virus HIV (infeccao), podendo ou nao, desenvolver a AIDS (doenca). Nao obstante aos pequenos erros conceituais, aqui exemplificados, os autores chegaram a conclusoes precipitadas sobre alguns dos resultados, que careceriam de maiores detalhamentos estatisticos em se tratando da epidemiologia, uma ciencia eminentemente quantitativa. Por exemplo, se fazem ausentes no texto os calculos da sensibilidade, especificidade e, nao menos importante, dos valores preditivos, necessarios para avaliar o real desempenho das tecnicas diagnosticas IFA e WB, utilizadas no estudo. Registro ainda, a falta de discussao de alguns resultados importantes. Tambem na discussao, no ultimo paragrafo da pagina 326, observemos o trecho: “caes que no inicio tem titulos baixos e apos algum tempo passam a apresentar titulos altos (≥ 160), em geral permanecendo assintomaticos”. Que os caes podem apresentar oscilacoes no titulo de anticorpos anti-L. (L.) chagasi, isso sabemos. Por outro lado, o fato de alguns animais assintomaticos apresentarem titulos ≥ 160, necessitaria de uma discussao mais aprofundada, pois tal fato nao condiz com a literatura. Em geral, titulos altos estao, quase sempre, associados a doenca. Tal fato deve-se a exacerbacao da resposta imune humoral, gerando a formacao de grande quantidade de complexos imunes (antigenoanticorpo) circulantes, que por sua vez irao resultar, em ultima instância, em lesoes em varios orgaos e/ou sistemas. De fato, tais equivocos nao tiram o merito cientifico do trabalho em questao. Entretanto, servem como exemplo para futuras publicacoes sobre o tema, revelando nao so a necessidade de definir claramente as variaveis a serem abordadas, respeitando os velhos paradigmas (ou entao, propondo novos), mas tambem a importância de nao desvincular, dos resultados, a estatistica; um dos eixos principais da epidemiologia moderna.
Referência(s)