Artigo Acesso aberto Revisado por pares

A faca, a trança, a solidão: uma herança

2008; UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS; Volume: 19; Issue: 1 Linguagem: Português

10.1590/s0103-73072008000100005

ISSN

1980-6248

Autores

Claudia Ortíz,

Tópico(s)

Cultural, Media, and Literary Studies

Resumo

A faca, de tao gasta, era um toco. Foi jogada.Ja a tranca, permanece no bau. Intacta.A foto solitaria e olhada de tempos em tempos.Isso fora tudo o que herdara da avo paterna.E um caboclo? Talvez nao. Esta calcado. Um certo sinal de prosperidade?A estrada e de terra batida. As arvores miudas mal podadas sao desleixo.Mouroes possuem arame farpado. Gastos. Fios quebrados.Seria um amanhecer? Seria um entardecer? Nao se sabe ao certo.Poeira nao e. Faz frio. As maos, nos bolsos da calca larga. Paleto e chapeu.Seria um nevoeiro de amanhecer de inverno? E um nevoeiro de umamanhecer frio. Nao se sabe bem onde.Olhando bem, da pena das arvores mal podadas. Ficaram ali, porque ficaram.Um mourao a menos. Nao estivessem na divisa, seriam madeira de lenha.Alguem passou. Uma carroca passou. A marca das rodas esta aqui. No chao.Grudada, sem nenhum tempo.A cabeca tomba. Frio? Tristeza? Coisa nenhuma? So andanca. So solidao.Onde estaria o fotografo? Passara a noite em claro esperando? Esperandoum viandante? O clique de Bresson? O momento exato? O instante unico?Tudo pode ser uma farsa. Tudo e farsa.Dias antes, o local, a escolha da hora solitaria tinham sido marcados. Vaidai, o passante estar calcado? Nunca se sabera.Por que uma faca, uma tranca longa e essa foto vieram ate aqui? A faca, abem da verdade, anda longe.Antigamente, a tranca era mostrada com orgulho, como prova da parecencados cabelos. Ainda ninguem duvidava dos parentescos. Bastava uma trancagrossa, um olhar ruivo e uma certeza.

Referência(s)