O puru-puru da Amazônia (Pinta, Carate, Mal del Pinto etc)
1948; Instituto Oswaldo Cruz, Ministério da Saúde; Volume: 46; Issue: 1 Linguagem: Português
10.1590/s0074-02761948000100005
ISSN1678-8060
AutoresF. Néry Guimarães, Bichat Almeida Rodrigues,
Tópico(s)Phytochemistry Medicinal Plant Applications
Resumo1) Puru-puru e uma palavra indigena que quer dizer pintado ou manchado, peculiar a Amazonia Brasileira. Com esse nome e designada uma dermatose referida entre os selvicolas desde 1774, por Ribeiro Sampaio. Certas tribus, com alta incidencia da molestia passaram a ser cahamadas tambem Puru-purus, o mesmo acontecendo com o rio onde habitavam - Rio Purus. 2) A doenca existe na bacia do Rio Solimoes e seus principais afluentes: Javari, Jurua, Purus, Ica, Japura, e Negro. Por esses rios, o foco da dermatose se continua nos paises limitrofes com o Brasil: Guianas, Venezuela, Colombia, Peru (Equador) e Bolivia. 3) Desde 1890 essa dermatose foi relacionada a pinta (carate ou mal del pinto) por P. S. de Magalhaes, idea essa depois defendida por Juliano Moreira, Carlos Chagas, Roquete Pinto, Wappeus, O. da Fonseca Filho, Da Matta, Brumpt e outros, baseados na semelhanca clinica e na terapeutica. Recentemente (1945), essa provavel identidade das duas dermatoses, recebeu fundamento sorologico de Biocca (que verificou a positividade das reacoes de Kline e Kahn em doentes de puru-puru), e, pelo presente trabalho, recebe base clinico-epidemio-anatomo-patologica. 4) Sob o ponto de vista clinico, as lesoes cutaneas discromicas da molestia, sao de 3 ordens: a) lesoes papulo-eritemato-escamosas, isoladas ou nao, arredondadas, pruriginosas e de bordos nitidos; b) lesoes maculo-escamosas, maiores mais palidas, as vezes ja mostrando alteracoes pigmentares na parte central; c) maculas discromod´rmicas, lisas ou ligeiramente escamosas, com maior ou menor alteracao pigmentar, as quais assumem diferentes aspectos, consequentes a hipo - ou hiperpigmentacao, variaveis tambem com a cor do paciente. As coloracoes predominantes nas manchas, sao o branco, o preto e o vermelho, com tonalidades eminentemente variaveis. Embora raramente, nessas extensas dermodiscromias, observa-se superposicao de lesoes papulo-eritemato-escamosas. O aparecimento dos 3 tipos de leoes acima citados, obedece seguramente a um processo evolutivo da dermatose, dando-se na ordem exposta e de acordo com o tempo de doenca. Alem das lesoes discromicas, caracteristicas da enfermidade, foi observado purido, e infartamento ganglionar. O estado geral dos doentes era bom. A avaliacao de anemia e eosinofilia, foi prejudicada pela ocurrencia de outros processos morbidos (malaria e helmintiases). Em 2 pacientes pretos e adultos, havia avancada hiperqueratose palmo-plantar. 5) Sob o ponto de vista epidemiologico, foram feitas as seguintes observacoes: a) Idade. A dermtose ocorre em todas as idades, mais incide principalmente dos 15 aos 29 anos. Tomando um grupo relativamente homogeneo de doentes de um mesmo local, 53% tem 15 e mais anos de idade. De 36 doentes que deram informacoes seguras ou aproximadas quanto a idade em que lhes apareceu a doenca, verifica-se que 77% ja estavam infectados antes dos 15 anos. Em 5 casos, a infeccao se deu antes dos 2 anos de idade. b) Sexo. Nos doentes em conjunto, existiam 34 homens e 35 mulheres. Mas, no grupo homogeneo acima citado, havia ligeira predominância do sexo feminino (60.7%). c) Cor ou raca. Foram encontradas as seguintes percentagens: Pretos - 34.8%, brancos - 27.5% indios - 23.2% e mulatos - 14.5%. Essas diferencas nao indicam predilecao racial. d) Familia. A A dermatose e eminentemente familial. Em grupo de 41 doentes, 34 pertenciam a 8 familias. e) Lesao inicial. Contagio. Em 6 casos ainda existia a lesao inicial, chamada empigem, isolada ou acompanhada de outras lesoes semelhantes. De 33 doentes, 26 (78.8%) referiam a lesao inicial nas partes descobertas do corpo (rosto, bracos e maos, pernas e pes), isto e regioes mais sujeitas a pequenos traumas, que servem como porta de entrada do treponema. Os AA nao acreditam na existencia de um vetor. Pensam que o contagio e direto, as condicoes eficientes e predisponentes do mesmo, coexistindo no domicilio, onde vivem em promiscuidade e falta de higiene, doentes e sadios. Os autores nao encontraram treponemas em cortes impregnados de puru-puru, tanto de lesao recente como de lesao tardia. Atribuem o fracasso ao provavel uso de antitreponemicos pelos doentes, uma vez que a terapeutica empirica pelo arsenico e mercurio e muito espalhada na Amazonia. Histopatologicamente, encontraram na lesao recente: hiperqueratose, hiperacantose, exocitose, exoserose e espongiose na epiderme; e infiltracao de celulas redondas, edema e diltacao dos capilares no derma papilar e subpapilar; pela impregnacao, acharam irregularidade na distribuicao do pigmento melanico, assim como melanoforos entre as celulas inflamatorias do derma. Na lesao tardia observaram: notavel atrofia do epiderme, reduzida as vezes , a 3 a 5 camadas celulares, havendo desaparecimento das papilas dermicas; no derma, havia discreta infiltracao de celulas redondas, relacionadas aos vasos sanguineos, ao lado de macrofagos melaniferos mais ou menos abundantes; pela impregnacao, quanto as alteracoes pigmentares, foram observadas todas as graduacoes, desde a completa ausencia de pigmento na basal, ate um acumulo notavel de melanina, atingindo as proprias celulas de Malpighi. 7) Com o tratamento pelo neo-salvarsan os AA observaram grandes melhoras e mesmo cura aparente, com 6 a 8 injecoes. Certas manifestacoes acromicas vitiligoides, antigas, nao mostraram modificacoes apreciaveis com a terapeutica. 8) No Brasil, fora da Amazonia, tem sido descrito casos isolados de puru-puru, porem, na opiniao dos autores, todos ou quase todos, sao provavelmente, manifestacoes discromicas tardias de sifilis ou bouba, semelhantes aos publicados por um deles (F. N. G). Pensam do mesmo modo, quanto aos casos de pinta descritos fora da America: Africa, Egito, Argeria, Sahara, Tripoli, Turquestao, Filipinas, Iraque, India, Ceilao, etc. Ainda nesta mesma ordem de ideas, os autores negam validade ao conceito epidemiologico da existencia de casos isolados, a nao ser procedentes das zonas pintogenas. 9) Um dos autores (F. N. G.) emite a seguinte hipotese, que considera sugestiva, embora dificilmente demonstravel: Os treis treponemas (T. pallidum, T. pertenue e T. carateum), oriundos de um ancestral comum. tornaram-se peculiares respectivamente ao branco, ao preto e ao indio, mantendo-se assim isolados. Secundariamente, com as correntes migratorias, misturaram-se as doencas...
Referência(s)