Os executivos autodidatas
1984; FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS; Volume: 24; Issue: 1 Linguagem: Português
10.1590/s0034-75901984000100001
ISSN2178-938X
Autores Tópico(s)Business and Management Studies
ResumoAtualmente, se fala muito dos executivos.* Eles falam de si proprios e se empenham em ser discutidos, como se sua existencia, que parecia evidente, dispensando comentarios, se apresentasse agora como um problema. Na origem deste documento de pesquisa figura a intencao de reunir elementos de informacao e de reflexao que permitam esclarecer o sentido e a funcao de tanta falacao. Tornar-se objetio de discurso, quando se trata de um grupo, acompanha frequentemente um trabalho do grupo sobre si mesmo: o de dar forma a experiencias ate entao fragmentadas e silenciosas, mediante o qual um grupo ate entao existente em estado pratico da a si mesmo uma configuracao perceptivel. Em outras palavras, trata-se de dividir um 'grupo existente e doravante volumoso demais, muito heterogeneo ou por demais conflituoso para que se mantenha um consenso de trabalho, como diz Goffman, sobre as figuras e os substantivos que ate entao, sobretudo externamente, o representavam. Optamos por organizar a documentacao em torno de um caso, o de um autodidata com suas esperancas e seus dissabores, o que e, sem duvida, menos particular do que parece: seu discurso livre pode ser uma experiencia generica, comum a um grupo, no sentido em que ela seria paradigmatica e se exprimiria nos esquemas produzidos por uma colaboracao coletiva. As observacoes que, em forma de notas, o acompanham sao extratos de duas dezenas de entrevistas, algumas das quais duraram mais de quatro horas, com os executivos da area tecnico-comercial, ** na maioria dos casos autodidatas, e as referencias aos trabalhos disponiveis, principalmente estatisticos, esbocam a generalizacao do individuo • classe. A entrevista cujos trechos serao' reproduzidos apresenta a particularidade de registrar o produto de um trabalho de enunciacao que lhe preexiste. M., que define a si proprio como um executivo, propos-se a escrever uma obra autobiografica: Eu, um executivo. Pretende relatar seus dissabores, expor sua experiencia, partilha-Ia, e prestar, assim, um testemunho sobre a do em nossa sociedade. Isso quer dizer que o proprio objeto da entrevista, aquilo em torno do qual ela esta, como se costuma dizer, centrada, sua problematica e a representacao da identidade social que e apresentada como o discurso de M. em parte pre-construrdo, em parte improvisado sao os produtos de uma formulacao quase sociologica que preexiste a interrogacao. A historia de M. e mais ou menos a seguinte: filho unico de um acougueiro de uma cidadezinha da regiao parisiense, fez os estudos tecnicos num liceu tecnico e depois numa pequena escola de engenheiros. Ao fim de seus estudos, entra como tecnico numa primeira empresa e especializa-se em componentes eletronicos. Vegeta alguns anos e depois chega a ingressar no servico comercial da mesma empresa. Nesse novo posto ele se revela, seu status na empresa se eleva, ele e o ''rei''. Mas se choca com a hostilidade de um novo oriundo da HEC * e decai novamente. A empresa procura, de inicio, faze-lo pedir demissao e depois o despede. Entra, entao, para uma empresa de porte medio com o titulo de diretor comercial e a promessa de um alto salario. Mas o titulo nao passa de um engodo e o salario combinado nao lhe e pago. Nao consegue vender o que a empresa produz: perde mercados, entra em conflito com o ''patrao'' e e brutalmente despedido. Um amigo que possui e dirige uma pequena empresa, tambem no mesmo ramo, aceita emprega-lo. Mas a empresa vai mal. M. e pago irregularmente. Ao fim de um ano, vai embora. M. consegue, entao, entrar, atraves de suas relacoes, numa grande organizacao multinacional, com o titulo de engenheiro tecnico-comercial. M. ocupa esse novo posto ha um ano e, apos muitos dissabores, declara-se ''plenamente satisfeito, pode, enfim, dormir tranquilo. Esta versao puramente descritiva nao da conta, evidentemente, da intencdo que anima o relato de M. Essas aventuras .exemplares e ''vividas'' encerram uma denuncia: os executivos nao sao protegidos, sao explorados (o em nossa sociedade e o pobre diabo, o flm da escala social). Numa primeira interpretacao, quase obvia, esta confissao e a expressao de uma tomada de consciencia. Um toma consciencia de sua posicao nas relacoes de producao e, solidario. com os outros assalariados; com os outros explorados, abandona suas antigas crencas. Mas essa leitura deixa escapar C} que em M. motiva e domina a indignac40: o executivo nao e considerado em seu justo valor, nem tratado com o respeito ou a atencao que merece, ai esta o escândalo. Ou melhor, seu tratamento, em todos os sentidos, nao corresponde as promessas feitas: ha uma defasagem entre uma definicao de direito e uma condicao de fato; dai a ambiguidade do relato. Para fazer-se entender, M. e obrigado a oscilar entre diferentes posicoes teoricas muito distanciadas: de um lado, o executivo e suas insignias (a ''roupa Cardin ou Ted Lapidus, a 404 conversivel, a ''viagem de negocios etc.) e, de outro, o ''pobre tipo, o pobre-diabo,
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