Artigo Acesso aberto Produção Nacional Revisado por pares

Meio século de convivência com Aluízio Prata: um depoimento em homenagem aos seus 90 anos

2010; Brazilian Society of Tropical Medicine; Volume: 43; Issue: 4 Linguagem: Português

10.1590/s0037-86822010000400001

ISSN

1678-9849

Autores

José Rodrigues Coura,

Tópico(s)

Global Public Health Policies and Epidemiology

Resumo

Conheci Aluizio Prata no inicio de 1960, ele Professor Catedratico de Medicina Tropical da Universidade da Bahia e eu um recem-nomeado Instrutor de Ensino da Cadeira de Doencas Tropicais e Infectuosas, liderada pelo tambem Catedratico Professor Jose Rodrigues da Silva, na Faculdade de Medicina da entao Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entrei no gabinete do Professor Rodrigues, como assim o chamavamos, para lhe falar de um caso de doenca de Chagas que tinha um classico bloqueio de ramo direito com hemi-bloqueio anterior esquerdo, megaesofago, xenodiagnostico positivo, mas a sorologia (fixacao do complemento) era repetidamente negativa. Antes de falar com o professor vi aquele jovem, moreno, cabelos e bigode pretos, muito bem vestido, como sempre, com o seu terno escuro, falando com familiaridade com o Professor Rodrigues que, como de costume, nao nos apresentava de inicio aos visitantes, mas com frequencia falava para eles sobre o nosso desempenho. Prata virou-se para mim e como se fosse meu velho conhecido disse “como vai Coura?”. Certamente o Rodrigues ja havia falado para ele do jovem e petulante cardiologista, que estava desenvolvendo o pomposo projeto “Coracao Infeccioso”, mas que ainda precisava aprender muito sobre as doencas infecciosas. Ao relatar o caso o Prata me deu uma aula sobre sorologia na doenca de Chagas, quando me disse: “isso pode ocorrer; a reacao pode ser anti-complementar, ter um baixo titulo ou ser mesmo um falso negativo ”. A minha amizade com Aluizio Prata comecou a se fortalecer em novembro de 1962, quando o Professor Rodrigues e ele, respectivamente Presidente e Vice-Presidente da primeira diretoria da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, fundada em Ribeirao Preto, me colocaram como Secretario da Sociedade. Amizade, guardadas as devidas distâncias da epoca: eles eram Catedraticos e eu Instrutor de ensino. Quando fui para a Inglaterra em 1963, O Professor Garnham me convidou para dar um seminario sobre doenca de Chagas na London School of Tropical Medicine and Hygiene. Escrevi ao Professor Prata pedindo “slides” de patologia do que chamavamos na epoca de “forma subaguda”. Ele me escreveu perguntando “voce ja falou isso para o Rodrigues?”. Quando eu respondi que sim, ele me mandou os “slides”. Eram as regras da epoca para evitar o ciume profissional entre os catedraticos. Apos a minha Livre Docencia, em dezembro de 1965, quando fui bem sucedido, comecou a minha “alforria”. Deixava de ser o “menino do Rodrigues” para ser um candidato a professor. Prata me convida pela primeira vez para falar em um simposio sobre esquistossomose que ele organizou em Salvador, com apoio da Diretoria de Saude da Marinha. Foi o meu “debut”, quando apresentei os resultados de um estudo clinico e experimental sobre esquistossomose pulmonar, mostrando que os macacos e coelhos previamente sensibilizados com extrato de S. mansoni , faziam formas pulmonares mais graves quando embolizados com ovo de parasito, e um outro, com os resultados de 300 biopsias hepaticas em portadores de esquistossomose, mostrando que essa doenca agravava e prolongava os quadros clinicos das hepatites. Desde entao tenho recebido numerosos convites do Prof. Prata, inclusive para escrever um capitulo com ele sobre “Formas Clinicas da Esquistossomose” no excelente livro editado por Omar Carvalho, Paulo Zech Coelho e Henrique Lenzi, em 2008. A morte do Professor Jose Rodrigues da Silva, em maio de 1968, grande amigo do Professor Prata, foi uma enorme perda para ele, para mim, e porque nao dizer para o Brasil inteiro. Prata assume a Presidencia da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, quando muito nos aproximamos, de um lado pelas nossas relacoes na diretoria da SBMT e de outro porque, como Professor Adjunto e unico Livre-Docente, assumi interinamente o servico e a catedra deixada pelo Professor Rodrigues e adotei o Professor Prata como meu tutor e conselheiro; talvez ele mesmo nao tivesse se apercebido disso, mas estreitamos muito a nossa amizade. Em 22 de dezembro daquele ano, data do aniversario do Professor Rodrigues, promovi no Pavilhao Carlos Chagas (sede do nosso servico) uma grande homenagem ao meu mestre, quando estiveram presentes numerosos dos seus amigos e discipulos. Naquela cerimonia falamos eu, sobre “um mestre, um amigo”, Luiz Fernando Ferreira, um dos seus primeiros discipulos, Manoel Jose Ferreira, seu mestre, sobre “o despertar de uma vocacao” e o Professor Aluizio Prata, seu intimo amigo que falou sobre “uma vida dedicada a pesquisa cientifica”, terminando a sua alocucao dizendo: “Feliz da terra que tem filhos como Jose Rodrigues da Silva”. O Professor Aluizio Prata, foi membro da Comissao Examinadora para o concurso de Professor Titular que fiz em 1970 para a Disciplina de Doencas Infecciosas e Parasitarias da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense, quando fui aprovado, benevolentemente, com a nota maxima. Aquele concurso foi uma porta para que eu assumisse o cargo de Professor Titular no ano seguinte na UFRJ, que a 10 anos nao abria concurso publico para Professor Titular. Em 1973, Prata me pediu para que a sua discipula maior, Vanize de Oliveira Macedo, fizesse o concurso para Livre-Docente na minha disciplina no Rio de Janeiro, quem apos brilhante concurso obteve aquele titulo, um passaporte para a sua titularidade na Universidade de Brasilia, onde o substituiu. Uma das grandes honras da minha vida, foi ter sido escolhido para receber Aluizio Prata como membro titular da Academia Nacional de Medicina em 25 de junho de 1996. Entre os numerosos feitos da brilhante carreira do Professor Aluizio Prata destaco: as tres “Escolas de Medicina Tropical” que ele criou na Bahia, em Brasilia e em Uberaba, povoando o Brasil inteiro de lideres de pesquisa nessa importante area, e ainda, o seu pioneirismo na criacao das areas de estudo de campo em Caatinga do Moura, Sao Felipe, Tres Bracos, Catolândia e Brejo do Espirito Santo, na Bahia, Mambai em Goias, Agua Cumprida em Minas Gerais, Labrea e Costa Marques, no Amazonas, entre outras em varios estados brasileiros. Tive poucas colaborais cientificas formais com o Professor Aluizio Prata, embora tivessemos trabalhado em areas semelhantes como doenca de Chagas e Esquistossomose, cujas areas de campo que instalei em Minas Gerais, Paraiba, Piaui, Mato Grosso do Sul e Amazonas, foram todas baseadas nos seus trabalhos de campo, portanto, tambem me considero um dos seus discipulos

Referência(s)