Manifesto antropófago II Oswald de Andrade
1999; Volume: 12; Issue: 23-24 Linguagem: Português
10.1353/ntc.1999.0029
ISSN1940-9079
Autores Tópico(s)Urban Development and Societal Issues
ResumoMANIFESTO ANTROPÓFAGO II OSWALD DE ANDRADE (Psicografado por SERGIO PAULO ROUANET) Filósofo e Diplomata Contra a antropofagia caeté, pela antropofagia tupinambá. Os caetés nunca saíram de Pindorama. Os tupinambás viajaram muito. Por isso a antropofagia dos caetés é provinciana. A antropofagia dos tupinambás é cosmopolita . Os caetés se gabam de terem comido um bispo portugués. Coisa de nada. Foi urna pequeña fome, urna anémica fome anti-clerical, que gerou um canibalismo chauvinista, incapaz de alterar os rumos da historia mundial . Antropofagia periférica. Os tupinambás têm urna grande fome, que näo recua diante da propria cultura tupinambá. Antropofagia autofágica, heterof ágica, panfágica: antropofagia da grande taba do mundo. Ecuménica. Os caetés säo filhos de sua tribo. Comem e absorvem, comem e expelem, mas só absorvem o que for útil para a tribo, só expelem o que nao for bom para a tribo. Os tupinambás, näo. Sabem ser nativos, mas também sabem ser exilados , e enquanto exilados vêem tudo de fora, julgam tudo de fora, e decidem absorver ou expelir segundo criterios diferentes dos criterios tribais. Os caetés querem ter raizes. Os tupinambás querem ter asas. Diz que teve um francés que gostava tanto de raizes que escreveu um livro muito besta xingando os "desenraizados." Näo sei se ele acabou virando o que ele merecía, comida para planta carnívora, no Jardim Botánico. Sei que teve um austríaco que gostou muito desse livro e inventou urna coisa cheia de raízes, cheia de sangue, cheia de solo, e que acho que näo acabou muito bem näo. Os caetés querem ter raízes. Os tupinambás querem ter asas. Agora o esquisito é que os tupinambás se pelam pelas raízes dos caetés. Descem do céu que nem passarinhos e comem todas as raízes dos caetés. Nao sobra nem um inhame para contar a historia. Mas näo querem ser inhame näo. Nem mandioca . Querem mesmo é ser periquito. Ter asas. Ou guelras. Peixe também serve. Gostam demais de sair do Xingu, desovar no Sena e hibernar no Volga . Nomadismo. Urna sala de jantar domingueira, um inglés magro lendo um tabloide e Maricota tecendo urna tapeçaria prá quando Ulisses voltar. Universalizaçao. Um papa vai ao Paraná e faz discurso em polonés para japonesas da Alta Silesia dançando urna mazurka composta por Catulo da Paixäo Cearense. Sincretismo. O que intéressa na Pomba Gira é que ela é©1999 NUEVO TEXTO CRITICO Vol. XII No. 23/24, Enero a Diciembre 1999 36_______________________________________________SERGIO PAULO ROUANET também Maria Padilha, amante de um rei de Castela, D. Pedro o Cruel. O que dá agua em boca de tupinambá nao é Iansä näo, é aquela santa da Asia Menor, Santa Bárbara, que um dia se transformou em Iansä. Ah, Santa Bárbara sim, é que é cunhä prá tupinambá. Sol, mäe dos viventes: de todos os viventes, e nao só de alguns. A Cobra Grande ficou grande demais para caber num rio só. Contra todas as catequeses, principalmente a feita pelos missionários patriotas. Contra certas gramáticas, principalmente a compilada pelos puristas da lingua brasileira. Perguntei a um homem o que era a identidade brasileira. Ele me respondeu que era a síntese de Deus e da familia. Comi-o. Fiz a mesma pergunta a outro homem e ele me disse que era o resultado do casamento de um paje com urna mäe de santo. Comi-o. Perguntei a um terceiro e ele me disse que era urna broa de milho. Näo pude comer ele nao, porque a carne era muito dura, mas comi a broa. Gostei . Depois comi um bolinho chamado madeleine e também gostei. Um senhor grisalho disse que a familia era a célula-mater da sociedade: tirei-lhe um naco do pescoço. Um divulgador de Derrida explicou a gramatologia: desconstruí-o a dentadas. Só ficou o esqueleto, todo branquinho, urna beleza . Saudades do bacharelismo. Bacharel era um homem que tomava rapé, dizia coisas solenes e citava o Corpus...
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