Artigo Revisado por pares

A morte é um carnaval: João Grilo e o espaço social em <i>Auto da Compadecida</i>

2010; University of North Carolina Press; Volume: 50; Issue: 3 Linguagem: Português

10.1353/rmc.2010.0002

ISSN

2165-7599

Autores

Joshua Alma Enslen,

Tópico(s)

Arts and Performance Studies

Resumo

A morte é um carnaval: João Grilo e o espaço social em Auto da Compadecida Joshua Alma Enslen Auto da Compadecida, peça escrita por Ariano Suassuna nos anos 50, é uma comédia na qual o mundo europeu medieval e festivo de Rabelais parece se transplantar para o sertão popular brasileiro do nordeste. Marcada pela curiosa morte e ressurreição do protagonista, e baseada em formas literárias medievais e tradicionais do nordeste como a literatura de cordel, esta peça é a fantástica história carnavalesca de um pobre malandro João Grilo acompanhado por seu amigo Chicó. Ao longo da peça, este duo dinâmico apronta casos tão perplexos quanto cômicos entre os demais personagens do pequeno povoado onde vivem. Dando à peça tanto sua matéria cômica quanto seu olhar crítico, os muitos causos dos dois subvertem as hierarquias locais enquanto abrem caminhos para um exame social inerente na obra. Em diálogo com a obra crítica de Antônio Cândido e Roberto da Matta, este artigo visa analisar alguns momentos e modos que levaram João Grilo a subverter a ordem hierárquica do povoado, oferecendo uma interpretação do espaço social retratado na obra e as suas ramificações culturais e literárias. Esta análise também vacila entre a vida e a morte. O momento da morte dos personagens principais causada pelo tiroteio do cangaceiro Severino representa uma linha divisória entre dois espaços narrativos. Tudo que ocorre na peça enquanto personagens vivos é caracterizado por certa ordem social hierarquizada. Por outro lado, tudo que ocorre depois das suas mortes é marcado não pela hierarquia, mas pela igualdade. A hierarquia aparente no estado de vida dos personagens provoca a malandragem de João Grilo, de acordo com a elaboração do conceito por Antônio Cândido em Dialética da malandragem publicado em [End Page 345] 1970. Portanto, no espaço da morte, João Grilo assume outro papel, não o de malandro, mas o de porta-voz dos mortos. Em contraste com o espaço da vida, o espaço da morte de Auto da Compadecida entende-se melhor na dialética do carnaval e da igualdade. 1. João Grilo, o malandro da vida Ao focar o nordeste, Suassuna, em Auto da Compadecida, retrata um espaço social constituído por personagens-tipos, aqueles que se encontram em qualquer pequena cidade da região. Estes personagens são: o clero; o coronel, dono de imensos terrenos; os comerciantes, padeiro e a esposa; e João Grilo e Chicó, os pobres moradores do povoado. Como grupo, estes compõem o corpo dos agentes narrativos principais da região. E, de um modo geral dentro do esquema da peça, cada um cumpre o papel que a sociedade lhe demanda, obedecendo assim a uma ordem geral. Porém, às vezes, João Grilo dá um “jeitinho” que o deixa subverter esta ordem. São estes momentos em que a hierarquia é subvertida que concedem à peça o seu caráter social. Por meio de João Grilo, a peça expõe a necessidade de o pobre nordestino ser astuto e ser malandro. Um malandro, de acordo com Antônio Cândido, é um trickster que “pratica a astúcia pela astúcia (mesmo quando ela tem por finalidade safá-lo de uma enrascada), manifestando um amor pelo jogo-em-si” (26). Esta astúcia que o malandro pratica não é apenas para assegurar a sobrevivência, mas também para tirar algum proveito de uma vida cheia de provações e privações. Esta qualidade estabelece, como Cândido aponta no seu artigo, laços textuais com a literatura picaresca, mas de um modo explicitamente brasileiro. Para um pobre como João Grilo, a vida é mais divertida quando consegue enrolar os outros personagens que, pela ordem hierárquica, deviam dominá-lo. Conversando com Chicó, João Grilo confessa: “Só assim que posso me divertir. Sou louco por uma embrulhada” (Suassuna 28). Este “amor pelo jogo em si” é demonstrado várias vezes na peça. Para dar um exemplo, há a...

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