Artigo Acesso aberto Produção Nacional Revisado por pares

Pós-globalizacao, administração e racionalidade econômica: a síndrome do avestruz

2004; Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (ANPAD); Volume: 8; Issue: 4 Linguagem: Português

10.1590/s1415-65552004000400011

ISSN

1982-7849

Autores

Luiz Alcione Albandes-Moreira,

Tópico(s)

Political Economy and Marxism

Resumo

A abordagem teorica critica estabelecida pelo grupo de intelectuais conhecido coletivamente como Escola de Frankfurt e, neste sentido, enquanto methodos e episteme, tem um programa (a dialetica da Razao e da Ciencia calculistas), e constructos analiticos definidos, fieis ao marxismo. Via rigorosa, conhecimento auto-reflexivo, argumentacao intelectualmente competente (capaz e legitima), e ousada (inovadora e fundadora), bate-se contra a Razao instrumental, contra destino da Ciencia a legitimacao do status quo, e contra a praxis intelectual fragmentadora do real em linhas de montagem de causas e efeitos a priori contraria a totalidade e a contradicao dialeticas. A Sindrome do Avestruz de Omar Aktouf e um exercicio exemplar de aplicacao dos principios criticos frankfurtianos. Com liberalismo e neo-liberalismo, diz-nos Aktouf, a economia se torna economicismo, uma medida universal da atividade humana, possibilitada pela transformacao de seu sentido original (norma de conducao do bem estar da comunidade), via a exacerbacao da racionalidade instrumental, na acumulacao pela maximizacao da rentabilidade financeira, ou crematistica, cujo prototipo e a especulacao, que faz dinheiro de dinheiro. O capitalismo produtivo cede lugar ao financeiro. O mundo e a realidade se coisificam em mercadoria, justificados como lugar de estoque de dinheiro. Do ponto de vista crematistico, isto so e possivel com a avaliacao do mundo e da realidade enquanto inesgotaveis e com a compressao do fator trabalho. A partir da equivalencia energia-trabalho-transformacao nos sistemas naturais, agente que viabiliza a transformacao da economia em crematistica e a empresa, porque o trabalho e para a empresa que metabolismo e para organismo vivo e natural (p. 180), que a torna um sistema termodinâmico, cuja vocacao e a maximizacao (outputs>inputs) do lucro, quer dizer, energia suplementar que junta-se aos inputs do sistema expressa em agregado, quantidades monetarias (p. 180). A criacao de riqueza nao pode existir como tal, mas, sim, como degradacao irreversivel de energia util em energia inutil. O lucro e momentâneo; deve-se a uma dupla extracao continua e exponencial: no ambiente interno da empresa, a do trabalho; no ambiente externo, a degradacao fisica e social. Donde a necessidade paradigmatica de capital aumentar continua e exponencialmente via a transformacao degradante do trabalho e do ambiente, cuja regularizacao deve ser vista como obstaculo a empresa agente, porque tende a tornar momento lucro mais fugaz. Assim, capital busca territorios onde estes fatores sejam baratos, isto e, nao regularizados pelo Estado, possibilitando um posicionamento pelos custos (baixos salarios) e pela diferenciacao (aliquotas tributarias mais atrativas) porterianos. Eis cerne dialetico da globalizacao. A administracao globalizada (homogenea) sera enquanto globalizante (homogeneizante).As objecoes que, no prefacio, Federico Mayor Zaragoza faz a Aktouf (p. 13), nao sao todas pertinentes. O livro, muito fundamentado e rigoroso na argumentacao, quando criativo, porem, e breve: quando, por exemplo, propoe inovadores desdobramentos ao conceito de mais-valia extra, a partir dos conceitos de valor excedente absoluto e relativo em Marx (mais-valia pela manipulacao das percepcoes; pela manipulacao da subjetividade e das energias libidinais; pela reducao exponencial, individual e coletiva, do custo do trabalho [p. 136-139]), e os relaciona a modismos conceituais no campo dos EOA. Sao merecedores de um capitulo individual, as provocacoes, pistas tematicas de investigacao, novos horizontes conceituais.Se considerarmos que a literatura fundadora dos modismos mencionados por Aktouf esta radicada na pratica de consultoria de seus autores principais adotada como literatura academica na formacao de administradores, esta relacao e inteiramente defensavel. A consultoria, por natureza casual, deve ser socializada na Academia como pesquisa, do contrario torna-se uma mera narrativa, que, como tal, nao se rege senao por normas da literatura ficcional e por leis da Retorica, que, tendo fim de convencer, deve conter seus parâmetros de credibilidade estabelecidos de antemao, sob risco de virar uma fraude. O consultor nao esta submetido as regras da publicacao academica, e pode cometer uma argumentacao totalmente casuistica do tipo conforme me disse um alto dirigente de uma grande companhia do setor X, coisa que e interdita ao que submete trabalhos a seus pares, se quiser ser publicado.A Sindrome do Avestruz e um livro vertiginoso: intenso, rapido, perturbador, frankfurtianamente pessimista em teoria e otimista na pratica. No que se refere aos docentes profissionais da academia estudiosos das organizacoes e de sua administracao, ele tem seguinte a dizer. (1) Urge modificar, e muito, a natureza (a administracao pode ser um fazer; mas e, em igual, talvez maior medida, um saber), metodo (socializar a leitura sobre fazer como fazer e uma falacia), e conteudo (substituir a disciplinaridade linear pela multidisciplinaridade critica) do que ensinamos. (2) A administracao como agente do capital nao leva as organizacoes ao que a propria administracao chama de sucesso: a racionalidade instrumental administrativa tem definidos limites na formulacao de estrategias, e implicacoes para meio ambiente que podem ser medidas a medio e longo prazos. O corolario do desenvolvimento e crescimento organizacionais irremediaveis e que eles se dao as custas do aumento desordenado dos inputs de toda ordem, inclusive, e muito provavelmente, de outras organizacoes locais e setoriais tomadas como tal. Aktouf nos propoe pensar: em quase todas as cidades ha uma feira; nas quadras das cidades ha um mercadinho; seu sucesso e a mera (?) (sobre)vivencia servindo aquela comunidade. O fato de isto nao vir a ser considerado pela Academia como digno de nota, estudo, investigacao e em si um juizo categorico e, como tal, desprovido de saber, mas pleno de ideologia.

Referência(s)