
Desenvolvimento de próstata em meninas com hiperplasia adrenal congênita: efeito dos andrógenos intraútero ou inadequado controle hormonal pós-natal?
2009; Editora da Universidade de São Paulo; Volume: 53; Issue: 6 Linguagem: Português
10.1590/s0004-27302009000600001
ISSN1677-9487
AutoresLarissa Gomes, Berenice B. Mendonça, Tânia A.S.S. Bachega,
Tópico(s)Genetic and Clinical Aspects of Sex Determination and Chromosomal Abnormalities
ResumoA diferenciacao da genitalia externa fetal bipotencial em genitalia externa masculina ou feminina dependera da presenca ou da ausencia da acao androgenica, respectivamente. No homem, a testosterona secretada pelos testiculos a partir da 8a semana de gestacao e transformada perifericamente em diidrotestosterona (DHT), atraves da acao da enzima 5-redutase 2. A DHT apresenta maior afinidade ao receptor de androgenos do que a testosterona, e age sobre a genitalia externa indiferenciada, promovendo sua diferenciacao em genitalia masculina: o tuberculo genital origina a glande peniana, as pregas uretrais formam o corpo peniano, as pregas labioescrotais formam a bolsa testicular e a partir do seio urogenital formam-se a uretra prostatica e a prostata (1). Logo, a prostata tem a mesma origem embriologica da genitalia externa e tambem depende da acao da testosterona e principalmente da DHT. Estudos que utilizaram a metodologia de PCR em tempo real, em diferentes fases do desenvolvimento embriologico da prostata, demonstraram um pico de expressao das enzimas 5-redutase tipo 2 e tambem tipo 1 na transicao do 2o para o 3o trimestre de gestacao, periodo que coincide com o pico de secrecao da testosterona e com o aumento da velocidade de crescimento da prostata fetal (2). Nas meninas afetadas pelas formas virilizantes da hiperplasia adrenal congenita (HAC), tais como a deficiencia da 21-hidroxilase e da 11-hidroxilase, ocorre diminuicao da sintese de cortisol resultando em diminuicao do feedback negativo sobre o eixo hipotalamo-hipofise-adrenal e hiper-estimulo do ACTH sobre o cortex adrenal e, consequentemente, aumento dos androgenos. A secrecao excessiva de androgenos a partir da 7a semana de gestacao promove a virilizacao da genitalia externa, a qual pode variar desde clitoromegalia ate uma genitalia completamente virilizada, semelhante a genitalia masculina. Apesar de a prostata ter uma origem comum a genitalia externa, a deteccao de prostata por ressonância magnetica em meninas com HAC, ate o presente estudo publicado por Paulino et al. (3), restringiu-se a dois relatos de casos isolados (4,5). As mulheres normalmente apresentam as glândulas parauretrais de Skene, homologas a prostata masculina e, se localizam ao redor da uretra. As glândulas de Skene surgem ao redor da 10° semana de gestacao e sao, assim como a prostata, formadas por tecido epitelial colunar, secretam o antigeno prostatico especifico (PSA), e expressam o receptor androgenico (6). Logo, podemos inferir que a exposicao pre-natal precoce aos androgenos pode levar ao desenvolvimento das glândulas de Skene em prostata em meninas com HAC. No entanto, restam algumas perguntas: qual seria o periodo de exposicao androgenica (pre-natal/pos-natal) determinante para o desenvolvimento do tecido prostatico? Por que a prostata nao e identificada em todas pacientes com a HAC? Poderiam estar envolvidos fatores geneticos nesta manifestacao fenotipica variavel? Estudo com ratas expostas no periodo intra-utero a diferentes doses de testosterona demonstrou o desenvolvimento de tecido prostatico-simile, sendo esse efeito dose dependente (7). As duas pacientes com HAC descritas inicialmente na literatura (4,5), nas quais foi observada a presenca de prostata por ressonância, apresentaram virilizacao da genitalia externa Prader III-IV, sugerindo intensa exposicao androgenica no pre-natal. Entretanto, outros fatores, alem das concentracoes de testosterona, podem influenciar o grau de virilizacao da genitalia externa em mulheres com HAC. Demonstramos previamente que o trato de repeticoes CAG no gene de receptor de androgenos, o qual altera a sua atividade de transativacao, influencia o grau de virilizacao da genitalia externa nas pacientes com HAC (8). Uma vez que os diferentes tecidos apresentam sensibilidade variavel a acao dos androgenos, supomos que polimorfismos em genes relacionados a acao dos androgenos e/ou seu metabolismo poderiam estar relacionados a presenca de prostata em mulheres com HAC. Esta hipotese ja foi demonstrada em ratas apresentando expressao alterada da enzima 17βHSD tipo 1, a qual converte androstenediona em testosterona, uma vez que estas desenvolveram prostata (9). Nesta edicao, Paulino et al. (3) demonstraram a presenca de prostata em 15,6% das meninas com a forma classica da HAC, atraves da utilizacao da ressonância magnetica como padrao ouro. A presenca de tecido prostatico em 5/32 das pacientes mostrou-se elevada e, provavelmente, decorreu de uma investigacao sistematica atraves de metodo radiologico sensivel. A analise da correlacao da presenca de prostata com o grau de virilizacao da genitalia pelo score de Prader, em estudo futuro, podera reforcar o papel dos androgenos intra-utero no desenvolvimento da prostata em mulheres. Adicionalmente, nao se pode afastar a hipotese de que o crescimento da prostata poderia ser corroborado pela exposicao aos androgenos na vida pos-natal, quer por diagnostico tardio nas pacientes com a forma virilizantes simples, quer por falta de aderencia ao tratamento resultando em inadequada supressao androgenica. A importância do hiperandrogenismo pos-natal no desenvolvimento prostatico foi demonstrada em estudo que administrou testosterona para ratas adultas, em doses que simulavam hiperandrogenismo. Foi observado aumento da proliferacao, diferenciacao e atividade secretoria do tecido prostatico feminino, ressaltando-se que a proliferacao deste tecido foi semelhante a encontrada no desenvolvimento fetal da prostata masculina em camundongos (10). Portanto, estes dados sugerem que o hiperandrogenismo pos-natal tambem pode influenciar o desenvolvimento da prostata nas pacientes com HAC. A paciente descrita por Subramanian et al. (5), com evidencia de prostata, teve seu diagnostico de HAC realizado aos 14 anos de idade. Embora um dos principais objetivos de Paulino et al. (3) fosse a avaliacao da dosagem de PSA na deteccao de prostata, torna-se relevante o conhecimento da idade ao diagnostico assim como o controle hormonal das 5 pacientes com prostata. Como a ressonância magnetica apresenta alto custo e nao deve ser feita de forma sistematica, Paulino et al. (3) demonstraram que o PSA pode ser um bom preditor da presenca de prostata em mulheres com HAC; porem, vale reforcar a falta de especificidade do metodo. Como ja pontuado no artigo original, o PSA pode ser detectavel em ate 10% das mulheres normais, por ser expresso tambem em outros tecidos. Logo, o uso da dosagem do PSA, no rastreamento de prostata, deve ainda ficar restrito a centros de investigacao, visto que o achado de PSA detectavel em meninas pode ser um resultado falso positivo e pelo fato de que a presenca de tecido prostatico pode gerar grande ansiedade para a familia. O alerta fundamental sobre o achado de prostata no estudo de Paulino et al. (3) reforca a importância do adequado controle hormonal no tratamento da HAC, visando a normalizacao das concentracoes de androgenos, ajustados para idade e sexo, a fim de se evitar, tambem o estimulo a proliferacao desse tecido, o qual aumenta a probabilidade do desenvolvimento de hiperplasia, displasia e ate mesmo de neoplasia prostatica, riscos que nas mulheres com HAC ainda precisam ser determinados. Referencias bibliograficas 1. Jost A. A new look at the mechanisms controlling sex differentiation in mammals. Johns Hopkins Med J 1972;130(1):38-53. 2. 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Bachega3 1 Doutora em Endocrinologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de Sao Paulo (FMUSP) 2 Profa Titular da Disciplina de Endocrinologia do Hospital das Clinicas da FMUSP 3 Profa Livre Docente em Endocrinologia pela FMUSP. Endereco para correspondencia: Tânia Bachega Laboratorio de Hormonios e Genetica Molecular LIM 42, Hospital das Clinicas Av Dr Eneas de Carvalho Aguiar n° 155, 2° andar, Bloco 6, Cerqueira Cesar, CEP: 05403-900, Sao Paulo email: tbachega@usp.br
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