
NÃO SE SABE
2012; Faculdade de Educação; Issue: 24 Linguagem: Português
10.15210/caduc.v0i24.1492
ISSN2178-079X
Autores Tópico(s)Social and Political Issues
ResumoNao se sabe se a sua vida consiste numa existencia individual; se a sua natureza consiste num fato biologico; ou se a sua cultura consiste num modo de ser social. Nao ha indicacoes a respeito, a nao ser que, de jeito algum, trata-se de um animal rationale ou de uma imago Dei. Ate que um outro – mundo possivel? – chegasse, foi identificado a existencia primordial. Em funcao de tal proveniencia, atraves dos tempos, foi considerado como o humano em geral. E, so muito recentemente, viu-se que a sua acao transcorre de forma selvagemente sentida; logo, na antipoda do que e entendido por humano. Pluralidade de forcas em permanente tensao, o seu movimento estabelece hierarquias temporarias. Pensamentos, sentimentos e impulsos encontram-se em luta, mas tambem seus tecidos, orgaos e celulas. Atua contra sentidos estabelecidos, normas coercitivas, querer divino, idolos axiologicos da moral, arriere-monde. Opera, antes de tudo, contra a morte. Nao visa objetivos, nao admite treguas, nao preve fim. A partir do combate incessante, surgem forcas dominantes, que o fazem agir, e forcas dominadas, que o levam a reagir. Sao essas forcas que constituem sua vida, natureza e cultura. Sendo um fora-da-lei, fora-do-contrato, fora-da-instituicao, tem retiradas as possibilidades dos seus instintos atuarem, quando fica encerrado no âmbito da Familia, do Edipo, da Escola, do Estado, dos Direitos Humanos, da Paz. Entao, esses instintos voltam-se contra si mesmos e o seu desenvolvimento ruma para o espirito de gregariedade: mediano, vulgar. Ao lutar contra a desvalorizacao dos instintos esteticos – tanto apolineos como dionisiacos – pela razao, e um rebelde, em face do saber consciente que diminui sua sabedoria instintiva. Em seu querer, o sentir e o pensar encontram-se imbricados e o pensamento disseminado pelo corpo. Ao articular vida e pensamento, faz experiencias com todas as coisas, sobretudo consigo mesmo. Detesta o preceito Tudo o que e belo e racional e nunca subordina a poesia a logica, por considerar que os instintos vitais e que constituem sua forca afirmativo-criativa. Aliando tal forca a hipertrofia da consciencia e da memoria, esquece. Para sentir alegria, leveza, esperanca, orgulho, basta-lhe a inconsciencia salutar associada ao esquecimento. Instalado no limiar do instante, apaga lembrancas, ja que sem esquecer nao age e nao vive. Nas relacoes com o meio, a superficialidade e um dos seus tracos marcantes e ate mesmo definidor. Possui a pretensao de saber como suas acoes sao produzidas, mesmo que elas nunca sejam o que lhe parecem ser. Mostra-se, por vezes, como uma unidade, forma mais alta, suprema especie de ser, progresso da consciencia, conhecimento absoluto, criterio superior de valor, embora seja apenas conjunturalmente utilizavel para a manutencao da vida em grupo. Nos conceitos, generos, especies, categorias, sistemas, encontra somente anseios e necessidades humanas de sobrevivencia. Assim, desmascara as ilusoes das ciencias humanas e sociais, da religiao e da moral, mostrando que elas sao sintomas de um regime utilitario do agir. Sintomas que introduzem sentidos e atribuem fixidez a seu desregramento instintual. Necessario, assegura a propria existencia, na medida em que se dota de um carater simplificador. Faz-se inteligivel, ao tomar consciencia de si, em relacao com a comunidade. Deixa, portanto, de ser incomparavel, unico, ilimitadamente singular, para ir-se tornando confiavel e constante, raso e ralo, generalizado e indeterminado, simetrico e estupido, falsificavel e traduzivel na perspectiva do rebanho. Dobrando-se a tudo o que e altivo, conquistador, dominador, torna-se brando e tranquilo, fazendo de si uma permanencia na mudanca. Como rede de ligacao entre os humanos, equivale a regularidade dos costumes, alma, espirito, essencia, sujeito, agente, objeto, causa, efeito, substrato, ser, razao, consciencia, verdade, Eu. Sua moralidade define-se pela capacidade de obedecer a leis, cujo referencial regulador encontra-se na tradicao, tida como autoridade superior, a qual obedece – nao porque ela lhe manda fazer algo, mas simplesmente porque ela manda. Adestrado, conceitualiza pela identificacao de dessemelhantes; pensa as coisas mais simples do que sao; e responsabiliza-se por suas acoes, incluindo o ato de pensar. Desse modo, serve aos fracos, as almas iguais, e suprime a diferenca, gerando metafisicas assentadas em falsos problemas. Caudatario de forcas reativas, que se colocam em primeiro lugar, faz com que essa reatividade elimine a primazia de suas forcas agressivas – criadoras de novas direcoes. Nesses arranjos mecânicos, regulacoes, funcoes adaptativas, expressa o poder das forcas dominadas; embora realize esforcos continuados por mais potencia – como vitoria sobre si mesmo, tendencia a subir, vontade de auto-superacao. Por isso, e essencialmente mutavel, principio pelo qual a sua propria vida se supera. Como uma ficcao convencional – mas dotada de um carater de realidade – vive um processo de formacao, no qual a moralidade e o meio necessario para o seu amadurecimento enquanto individuo soberano. Entao, livre, de vontade inabalavel, prescinde da moral, liberta-se dos costumes, cria valores e organiza a exterioridade mediante a introducao de formas, que tem seu respaldo na interpretacao e na avaliacao. Como produto dessas acoes, torna-se autonomo e supra-moral. Desprendido das coordenadas sociais e do poder ordenador da lei, propugna um nada de teorico e de pratico, e tudo pelo tragico, fazendo o mundo a sua medida e tendo o conhecimento do mundo que merece. Nao se sabe se esse desterritorializado ainda pode ser chamado infantil, como um derivado da acao generica da cultura; ou se tera chegado o momento, em que ja nao tem nenhuma importância chamar ou nao chamar infantil aquilo que dele e dito e pensado. Deslocado no tempo, precipitado e ativado, tornado positivo e criador, nao pode deixar de existir. So que ja nao e mais ele mesmo... Desligado da falsa infância que nunca houve, faz proliferarem desejos, paixoes e conexoes com o campo social e politico, de maneira a ser irremediavelmente multiplicado, enquanto condicao da propria criacao: “um novo comeco, um jogo, uma roda que gira por si mesma, um movimento inicial, um sagrado dizer ‘sim’* . * II Coloquio Franco-Brasileiro de Filosofia da Educacao: O devir-mestre - Entre Deleuze e a Educacao Rio de Janeiro, 18, 19 de novembro de 2004. ** NIETZSCHE, Friedrich W. Assim falou Zaratustra – Um livro para todos e para ninguem. Traducao Mario da Silva. Sao Paulo: Circulo do Livro, s/d.,
Referência(s)