Artigo Revisado por pares

Duplo estilete: o pensamento critico de Silviano Santiago

1994; Volume: 7; Issue: 14-15 Linguagem: Português

10.1353/ntc.1994.0000

ISSN

1940-9079

Autores

Wander Melo Miranda,

Tópico(s)

Linguistics and Education Research

Resumo

DUPLO ESTILETE O PENSAMENTO CRITICO DE SILVIANO SANTIAGO _________________WANDER MELQ MIRANDA_________________ Universidade Federal de Minas Gérais, Brasil A afirmaçâo de Caetano Veloso —"Nao posso negar o que já Ii, nem posso esquecer onde vivo" — , reproduzida por Silviano Santiago quando estuda a atuaçâo do "superastro" tropicalista, mais do que urna bela frase de efeito, sintetiza com rara acuidade a condiçâo do produtor cultural brasileiro , ou latino-americano em geral, espremido nos estreitos limites da dependencia aos centros hegemônicos de produçâo. A abordagem das literaturas periféricas ou reflexas passa, portanto, pela discussáo da dependencia, levada a cabo a partir de urna perspectiva comparatista, como alerta Silviano, via Antonio Cándido, ao caracterizar o objeto de estudo da Literatura Comparada: "o objeto tem de ser duplo, constituido que é por obras literarias geradas em contextos nacionais diferentes que sao, no entanto, analisadas contrastivamente com o fim de ampliar tanto o horizonte limitado do conhecimento artístico, quanto a visáo crítica das literaturas nacionais". Nao se trata, evidentemente, de reduçâo mecanicista do texto artístico ao processo social que lhe dá origem, nem tampouco de abstrair-se dessa relaçâo. Trata-se de fazê-la interagir, tendo em vista o tránsito do sujeitoprodutor pelos corredores de urna biblioteca cujos livros, inevitavelmente fora do lugar, lhe parecerâo estranhos e familiares— quer por serem depositarios de um "signo estrangeiro", quer por serem objeto constante de apropria çâo e deglutiçâo, definidas por "urna especie de traduçâo global, de pastiche , de parodia, de digressäo" e situadas num contexto cultural marcado por algo semelhante ao "unheimliche" freudiano. As nocóes de original e de copia revelam-se fundamentáis nesse processo . Pressupostos a ele inerentes, como os de identificaçâo, plagio e transgress áo, aparecem discutidos através da remissâo à obra inovadora de Borges , no que ela tem de aceitaçâo da cultura dominante como carcerária e, ao mesmo tempo, como révolta ativa contra esse encarceramento. Se o conceito de forma-prisáo (buscado pelo crítico na poesía de Robert Desnos) é visto como o obstáculo inicial ao raio de acáo efetiva da produçâo dependente , é sua operacionalizaçâo que permite ao leitor estabelecer com o mo-©1995 NUEVO TEXTO CRITICO Vol. VII Nos. 14-15, Julio 1994 a Junio 1995 330_____________________________________________WANDER MELO MIRANDA délo pedido de empréstimo à cultura dominante o diálogo revelador da diferen ça instaurada pela copia. Desse ponto de vista, o texto descolonizado da cultura dominada passa a ter urna riqueza e urna energía imprevistas, "por conter em si urna representaçâo do texto dominante e urna resposta a esta representaçâo no proprio nivel da fabulaçâo, resposta esta que passa a ser um padräo de aferiçâo da universalidade täo eficaz quanto os já conhecidos e catalogados".3 Nesse tránsito de mäo-dupla das idéias e nao apenas de inversáo de seu direcionamento, a ruptura conceitual com o primado da origem é feita atrav és da desconstruçâo das noçôes de original e de copia. O passo inicial é dado, em "Apesar de dependente, universal" e em outros ensaios do Autor, pelo recuo "arqueológico" do crítico em direcáo aos primordios da formaçâo das práticas discursivas entre nos, isto é, no momento em que os impasses das guerras santas européias sao deslocados de seu contexto de origem para o Novo Mundo. O resultado do deslocamento é visto como imposiçâo de um padräo cultural etnocêntrico, evidente, no caso brasileiro, pela atividade de catequese de Anchieta, que introduz o indio num campo de luta que nao é o seu, exigindo-se dele a introjeçâo de urna situacáo sócio-política e económica estranha —a da unidade da Igreja e a da constituiçâo do Estado forte europeu. A conversäo do indio, no final do século XVI, desaloja-o de sua cultura e ele, desvestido da sua verdadeira alteridade e reduzido a um simulacro do europeu, passa a memorizar e viver urna ficçâo européia. A criaçâo dos colegios , no mesmo século, ir...

Referência(s)