
A atuação das variáveis linguísticas na regência dos verbos de movimentos no português afro-brasileiro
2010; UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO; Volume: 19; Issue: 1 Linguagem: Português
ISSN
0103-9415
Autores Tópico(s)Linguistic Variation and Morphology
ResumoThe “Projeto Vertentes do Portugues Rural do Estado da Bahia” has the objective to characterize the current sociolinguistics reality, identificating the process of irregular linguistics transmission which was derived from contact between languages in the Brazilian linguistics constitution. This work presents an empirical analysis of the linguistics constraints of the movement verbs variable regency in isolated Afro-Brazilian rural communities, in the state of Bahia. The analysed corpus was constituted for twenty-four interviews made on two communities: Helvecia and Cinzento, observing the variational sociolinguistics methodology. Although the traditional grammar advocated the use of prepositions A and PARA rather than EM with movement verbs (ir, chegar, voltar, etc...), the results of quantitative analysis revealed a variation on the choice of the preposition, with predominance of prepositions PARA and EM. The standard variant, the preposition PARA, is hardly used, being even more frequent the absence of the preposition (ex.: A primera vez qu’eu fui o medico...). The structural embedding of the variation between PARA and EM revealed that: (i) each verb determines a particular choice; (ii) the preposition PARA is selected when the displacement has [+permanent] trace; (iii) the preposition EM is more frequent when the destination has [defined] trace. Key-words: Preposition, Afro Brazilian Portuguese, Sociolinguistics. O fenomeno da regencia variavel dos verbos de movimento afeta dois extremos da realidade linguistica brasileira bipolarizada. E consoante Lucchesi PAPIA 19, p. 39-49, 2009. ISSN 0103-9415 TELMA SOUZA BISPO ASSIS 40 (2001) essa realidade pode ser explicada atraves do conceito de bipolarizacao sociolinguistica, em que o autor aponta para a convivencia de duas normas: em um extremo a norma vernacula e no outro extremo a norma culta, e a partir da interacao entre essas normas no decorrer dos seculos, influenciaram-se mutuamente, como afirma o autor: enquanto, no portugues popular, verifica-se uma tendencia de mudanca ‘para cima’, nao em direcao aos padroes normativos, mas em direcao ao padrao urbano culto (ou semi-culto); e no portugues culto, assiste-se uma tendencia de afastamento do padrao normativo de matiz europeu, uma mudanca que se pode definir como ‘para baixo’. Se e clara a influencia “de cima para baixo” sobre as camadas populares, pode-se postular tambem uma influencia “de baixo para cima” sobre as camadas medias e alta. Lucchesi (2001, p. 109) E importante ressaltar que esse fato linguistico ocorre com mais intensidade no portugues popular, em que e predominante o uso das preposicoes para e em, haja vista que a preposicao a e preconizada pela gramatica tradicional (doravante GT) e os falantes dessa norma nao interagem com a GT. Vale dizer, tambem, que mesmo os falantes da norma culta nao conseguem “decodificar” os manuais de redacoes e gramaticas, enfrentando tambem dificuldade no uso da regencia, porque existe uma defasagem entre a gramatica herdada de Portugal (considerado como padrao pela norma culta) e a lingua usada de fato pelos brasileiros, conforme sinalizam Faraco e Moura (1998, p. 512). A regencia variavel dos verbos de movimento, cujo complemento pode ser realizado com as preposicoes a (vou a cidade), para (vou para a cidade), em (vou na cidade), ate (eu fui ate a feira) e com a ausencia da preposicao (vou O la), e um dos fenomenos que afeta os falantes que se situam em qualquer posicao no continuum de variedades do PB. O estudo de Mollica (1996) constitui o principal embasamento teorico desta pesquisa, em que e problematizado de fato o uso variavel da regencia dos verbos de movimento, mais precisamente do verbo ir. A autora cita a exigencia da gramatica tradicional quanto a regencia do verbo ir, a qual prescreve o uso de a e para, admitindo uma diferenca sutil de sentidos entre elas. A preposicao a introduz numerosas circunstâncias (indica que a ida e so para certo fim, e depois voltar) estabelecendo o traco de [-permanencia], a exemplo de “Fui a cidade”. Enquanto a preposicao para denota termos de movimento, direcao para um lugar com a ideia acessoria de demora ou destino, desta forma, estabelecendo o traco de [+ permanencia], a exemplo de “Fui para a Europa”. A ATUACAO DAS VARIAVEIS LINGUISTICAS NA REGENCIA DOS VERBOS... 41 Neste trabalho, sera apresentada uma reflexao sobre os fatores linguisticos que regulam a variacao da regencia dos verbos de movimento no portugues brasileiro. Para o desenvolvimento do trabalho, utilizamos os pressupostos teorico-metodologicos da Sociolinguistica Variacionista, alem das orientacoes do coordenador do Projeto Vertentes do Portugues Rural do Estado da Bahia, Prof. Dr. Dante Lucchesi. O corpus analisado constitui amostras de fala vernacula das comunidades de Helvecia e Cinzento, localizada nos municipios de Nova Vicosa-Ba. e Planalto-Ba., respectivamente, e faz parte do Corpus Base do Portugues Afro-Brasileiro do Estado da Bahia. Foram observadas vinte e quatro entrevistas das comunidades de Helvecia e Cinzento, selecionado o corpus, passou-se ao levantamento das ocorrencias das variaveis dependentes, que demonstram o emprego bastante variavel da regencia dos verbos de movimento, conforme se constata nos exemplos abaixo: Preposicao a (01) Fui logo a igreja. (02) so eu... so num fui a Sao Paulo e Rio, Preposicao para (03) Ele levanta de manha cedo, vai pa roca mais pai, trabaia. (04) Num deu pra traca os dedo nao. Levo po medico, eles daro ponto... num ININT. Preposicao em (05) So fui ne Veredinha. (06) Eu levei na Sao Braga. Preposicao ate (07) Depois que eu tava com trinta dia que eu ‘tava aqui em casa, ai eu fui ate la. (08) (...) ia ate o trevo dai do Posto da Mata e descia pa fazenda do doto Djalma, no oto carro, (...) Ausencia de Preposicao (09) Nao. De vez em quando, a gente leva O o medico tamem, pa faze uma... (10) A primera vei qu’eu fui O o medico, quando eu senti essa operacao. TELMA SOUZA BISPO ASSIS 42 No tratamento dos dados, primeiro, foram selecionadas rigorosamente as ocorrencias em que os verbos de movimento (ir, chegar, levar, vir, retornar, voltar) tinham como complemento o SN locativo. Depois, por indicacao do orientador, foram levantadas tambem as particulas adverbiais, para entao ser codificado os dados levantados, totalizando 728 ocorrencias codificadas. No processo de levantamento de dados foram desprezadas algumas ocorrencias que nao satisfaziam o criterio da pesquisa, tais como: Frases feitas (11) Tem que ir a luta, ne? ... Verbo ir (indicando sentido diretivo) representado por um circunstancial eliptico (12) DOC 1: ‘Ce ja teve no Rio? INF 1: Ja fui O, as vezes. Verbo ir no sentido de movimento no decorrer do tempo (13) DOC: E vai se atendido que hora? INF: Ai, quando num tem muinta pessoa, ai p’umas sete e meia... >> ... ai vai ‘tendida pra pessoa, agora se tive muita, ai vai ate nove hora. Deslocamento do SN locativo para posicao de topico (14) na casa das vizinha ai eu num vo nao. (15) Ah, la em Belo Horizonte eu vo Verbo Ir empregado como uma ‘palavra discursiva’ (...) e/ou como preenchimento de ‘vazios discursivos’. (16) Eu digo: “Vem ca, pra que tu fica chamano eu, tu manda o menino merenda e manda o menino pedi dinhero a eu”, ne nao? Ela que vem pedi dinhero! (SAR-inq01) A ATUACAO DAS VARIAVEIS LINGUISTICAS NA REGENCIA DOS VERBOS... 43 Para explicar por que o falante escolheu uma entre as cinco possibilidades disponiveis, foram analisados fatores linguisticos e sociais: As variaveis linguisticas consideradas foram: i) segundo o verbo de movimento ii) segundo a morfologia verbal iii) segundo a posicao do complemento verbal iv) segundo a configuracao do espaco (complemento circunstancial) v) segundo a natureza do deslocamento vi) segundo o grau de definitude do SN locativo vii) segundo a natureza do objeto locativo viii) segundo o tipo de sujeito As variaveis sociais analisados foram: ix) sexo x) grau de escolaridade xi) faixa etaria xii) Estadia fora da comunidade A maior parte dos fatores listados acima e comum a varios outros estudos sociolinguisticos. Os dados levantados foram codificados, segundo as variaveis dependentes (acima exemplificada), e segundo as variaveis linguisticas explanatorias (cf. chave de codificacao) e tambem do ponto de vista dos aspectos extralinguisticos: sexo, escolaridade (analfabeto ou semi-analfabeto), estada fora da comunidade (ausencia ou nao da comunidade por pelo menos seis meses) e a faixa etaria (faixa 1 – 20 a 40, faixa 2 – 40 a 60 e faixa 3 – acima de 60 anos). Para finalmente submeter os dados levantados ao pacote de programas VARBRUL, com a finalidade de se obter a quantificacao destes para posterior analise.
Referência(s)