ROCHA, Lia de Mattos. Uma favela “diferente” das outras?Rotina, silenciamento e ação coletiva na favela do Pereirão, Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Quartet/FAPERJ, 2013, 292 p.
2015; UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA; Volume: 28; Issue: 74 Linguagem: Português
10.1590/s0103-49792015000200014
ISSN1983-8239
Autores Tópico(s)Youth, Drugs, and Violence
ResumoAinda que seis anos depois do seu lan-camento, o projeto das “UPPs” (Unidades de Policia Pacificadora) nao tem silenciado as situacoes de abuso, extorsao, tortura e assas-sinato cometidas por policiais nas favelas. Es-ses episodios, tao comumente noticiados nos jornais, poem em xeque o que seria o objetivo oficial das UPPs: “devolver a populacao local a paz e a tranquilidade publicas necessarias ao exercicio da cidadania plena” dos moradores de favelas.A despeito dos sintomas de “crise” da politica de “pacificacao”, nao e essa a primeira acao governamental que visa articular policia e “ocupacao social” nas franjas da cidade ca-rioca. O projeto “Mutirao pela Paz”, realizado tambem pelo governo estadual em 1999, na fa-vela Vila Pereira da Silva, o “Pereirao”, e uma dessas iniciativas que antecedem as UPPs e nos ajudam a entender o projeto e antever suas possiveis falhas, limites e efeitos. Tanto no “Pereirao” como em favelas com UPPs, as dinâmicas entre policiais e trafi-cantes deslizaram (ao menos em alguns casos) do confronto direto e ostensivo para modos menos letais de conflito, figurando um coti-diano de relativa “tranquilidade” aos morado-res. A pesquisa de Lia Rocha persegue, entre personagens do “Pereirao”, os elementos que sustentam o discurso da “paz” e da “tranquili-dade” e, em simultâneo, observa uma serie de praticas que reforca a ideia de que ali e “um lugar diferente”.Os dados que obtem na localidade sao apresentados em contraste com os que a au-tora acessa atraves da pesquisa “Rompendo o cerceamento da palavra: a voz dos favelados em busca de reconhecimento”, realizada entre 2005 e 2007, e que envolveu 150 moradores de 45 favelas cariocas (Cf. Referencias Biblio-graficas, ao fim do texto). Lia participou dessa investigacao e, em parte, sua tese de doutora-mento defendida em 2009 e esse livro sao des-dobramentos desses esforcos analiticos empre-endidos no mesmo periodo sob a coordenacao de Luiz Antonio Machado da Silva.Entre nuances que diferenciam as falas dos moradores do Pereirao e de outras favelas – em sua maioria subjugada pelos dominios do narcotrafico –, a autora inquire, em especial, a respeito das condicoes de manutencao da rotina e as possibilidades de “fala” nos espacos publi-cos, a ver se existiriam diferencas ou nao entre a “favela tranquila” e outras localidades, tambem abordadas pela literatura especializada. Ao se afirmar “diferente”, o Pereirao mo -vimenta um conjunto de termos, categorias e sentidos habitualmente atribuidos as favelas e que assim as definem no imaginario social da cidade. Ser “diferente”, nesse sentido, e ser uma localidade afastada da imagem da crimi-nalidade, ou seja, do enquadramento da favela como um “problema” de violencia urbana. Nesse caso, a “tranquilidade” nao e ques-tionada pela pesquisadora como fato; em outras palavras, nao ha preocupacao em comprovar a existencia ou nao de conflitos ou de bandos ar-mados no local. Ao contrario disso, a “tranquili-dade” e tomada como uma ideia sobre si e sobre o lugar onde se mora. O primeiro capitulo do livro joga luz a rotina dos moradores do Pereirao e a ence-nacao da ideia de que ali e “uma favela onde reina a paz”. A pouca ou nenhuma ocorrencia de conflitos armados e sublinhada nas falas dos entrevistados e apropriada como capital simbolico. Em alguns momentos, em especial entre os mais velhos, essa tranquilidade e asso -ciada a ideia de comunidade. O passado “rural” e “comunitario” e
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