ALÉM DO CARTESIANISMO
1996; UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ; Linguagem: Português
10.5380/rsocp.v0i06-07.39355
ISSN1678-9873
Autores Tópico(s)Urban and sociocultural dynamics
ResumoQuais as especificidades de Saudades de Sao Paulol Quais as marcas deste livro no contexto da obra de Levi-Strauss? Antes de mais nada, trata-se de uma homenagem a cidade, e mais especificamente ainda, a cidade de Sao Paulo. Desde sua viagem mais recente ao Brasil, em 1985, e especialmente em Saudades do Brasil, seu livro anterior, Levi-Strauss vem reconhecendo a importância do Brasil na sua vida. Sugestivamente, ele o faz de modo emocional, com saudades. Os tropicos continuam tristes, mas agora sao, cada vez mais, dignos tambem de saudades. O interesse deste livro vai entretanto alem dos subsidios para o entendimento da postura de Levi-Strauss em relacao ao “seu campo” . Suas fotografias, feitas entre 1935 e 1937, nos levam a compreender melhor a cidade de Sao Paulo. Se as ilustracoes sao sempre importantes nos livros de Levi-Strauss, desta vez elas passam para o primeiro plano, o breve texto se subordinando as imagens. Mas estas questoes estao entrelacadas. Entender a postura de Levi-Strauss em relacao ao trabalho de campo e entender sua postura em relacao aos tristes tropicos, e ao mesmo tempo entender melhor aspectos destes tropicos, no caso especifico, da cidade de Sao Paulo. Podemos assim ir alem da analise, a la Geertz (1988), de pressupostos importantes de sua obra e entender melhor tambem algo sobre os proprios tropicos. Em resumo, a Sao Paulo de Levi-Strauss revela algo do Brasil que foi seu espelho. Ja e tempo de pensarmos em Levi-Strauss como um etnografo bem-sucedido. Ao fazer um curto ensaio, ele deixa Sao Paulo se revelar atraves das suas fotografias. Em seu texto, Levi-Strauss reafirma seu interesse pela paisagem natural, mas as fotografias denunciam antes de mais nada sua atracao pelo fenomeno urbano. Este fato, inconsciente, e revelador: Levi-Strauss tambem foi um antropologo urbano, mas preferiu nao se assumir como tal. Por exemplo, ha fotografias documentando um desfile carnavalesco — que alias, como o antropologo tambem estava fazendo, demarcava os espacos da cidade — mas nao ha comentarios sobre o desfile. Ha, entretanto, longos comentarios sobre as poucas fotografias de “fenomenos naturais”, como as praias e as matas da cidade de Santos. O livro evidencia ainda um fascinio pelos contrastes e sobreposicoes do contexto urbano, que ate hoje nao parecem claros para um olhar menos distanciado, como o da propria elite paulista. Assim, ao contrario do que mostrou o critico teatral Decio Almeida Prado (1996), o atraso, a caipirice e a pobreza nao foram expulsos para a periferia da cidade, mas permanecem tambem no centro. Se sairam as boiadas fotografadas por LeviStrauss, surgiram as inumeras carrocas, puxadas a cavalo, dos “garrafeiros” 1; se nao ha mais esgotos a ceu aberto na atual Avenida 23 de Maio, eles agora estao, entre tantos outros lugares, no bairro do Butanta, onde fica a Cidade Universitaria da USP. Como Levi-Strauss tambem nos mostra, ha 60 anos, tal como hoje, a elite local revelava uma forte crenca no crescimento fisico como sinal de progresso, sem notar que este nao exclui, mas e paralelo, ao provincianismo e ao crescimento da pobreza. Levi-Strauss se deixava entao absorver por fatos cuja importância apenas hoje sabemos relevar.
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