Artigo Acesso aberto Produção Nacional Revisado por pares

Paulo Henriques Britto, desleitor de João Cabral

2015; UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO; Volume: 29; Issue: 85 Linguagem: Português

10.1590/s0103-40142015008500020

ISSN

1806-9592

Autores

Antônio Carlos Secchin,

Tópico(s)

Linguistics and Education Research

Resumo

estreia de Paulo Henriques Britto (1989), com Liturgia da materia, ja continha um ingrediente basico de toda a sua poesia: o jogo tenso entre acolhimento e recusa do legado de Joao Cabral, por meio de sutis operacoes que captam e reprocessam em desleitura alguns tracos marcantes do poeta pernambucano. Nesse sentido, a obra de Britto acabara, em parte, sendo tecida contra a cabralina, sem que o contra implique hostilidade; trata-se de deslocamentos e desestabilizacoes de matriz altamente considerada no interior do dissidio. Bem diferente, por exemplo, da oposicao movida, na decada de 1970, por varios nomes da geracao marginal, para quem Joao Cabral foi autor descartado, e igualmente diverso do acolhimento acritico por parte dos subcabrais que cerebrinamente lhe copiavam os procedimentos mais explicitos. Nesse panorama, cindido entre os “espontâneos” e os “afilhados da vanguarda”, a voz inicial de Paulo Henriques ja soava com desassombrado talento e individualidade. Se, como supomos, Britto le e desle Joao, importa assinalar certas afinidades entre ambos, para a seguir percebermos a demarcacao de diferencas. Na contramao do discurso atomizado na linhagem da poesia-minuto, ambos sao poetas da sintaxe, vale dizer, neles a poesia reside antes no processo da construcao do que no fulgor ocasional de um verso. O primeiro e o setimo dos “Dez sonetos sentimentais”, de Britto, desdobram-se num solitario periodo gramatical. O texto seccionado em segmentos numerados e vazado em quadras (cf. “Elogio do mal”) tambem e constante em Cabral, bem como a pratica da metrica regular e das formas fixas. Nos sonetos, Paulo Henriques tende a mostrar-se mais ortodoxo no campo da metrica, fazendo incidir no decassilabo as usuais cesuras em quarta ou sexta silaba, ao passo que Joao, no verso longo, abdica das marcacoes ritmicas do heroico e do safico e tece variacoes entre nove e onze silabas, sem, todavia, renunciar a rima, toante. Em Britto, por seu turno, a utilizacao da rima, nos livros iniciais, e esporadica, em prol dos versos brancos. Mas, paralelas aos aspectos da tecnica versificatoria (crucial para os dois poetas), avultam diferentes estrategias para urdir o esvaziamento do sujeito lirico. Joao Cabral se vale de recursos explicitos, na sempre referida busca da “objetividade”, ao subtrair de cena a primeira pessoa do singular. A poesia de Britto, aparentemente, investe no oposto, encharcando-se de subjetividade. Examinada de perto, contudo, a questao esta longe de ser tao simples assim, de um e outro lado. Certas obsessoes cabralinas duplicam-se nos seres e

Referência(s)