Artigo Acesso aberto

Do mito ao enigma: a história da arte como iconologia

2010; UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO; Volume: 11; Issue: 20 Linguagem: Português

10.1590/2237-101x011020015

ISSN

2237-101X

Autores

Naiara dos Santos Damas Ribeiro,

Tópico(s)

Urban and sociocultural dynamics

Resumo

O fascinio exercido pelas personagens mitologicas classicas e – mesmo numa cultura soterrada por novas e intrincadas mitologias como a nossa – um dado possivel de ser afirmado sem grandes percalcos. Das bocas mais incautas em mesas de botequim as discussoes eruditas sobre as narrativas miticas, a mitologia compoe seguramente um patrimonio comum da cultura ocidental. Entre as figuras miticas, Pandora – considerada pela mitologia grega como a primeira mulher, a maldade em forma de beleza, ou o “belo mal” – aparece como uma das mais expressivas narrativas no repertorio das interpretacoes sobre a vida humana, seus sofrimentos e esperancas. Da Antiguidade aos tempos atuais, passando por Erasmo, Voltaire e Goethe, esse mito animou diferentes leituras e representacoes artisticas, sendo um dos pontos centrais das interpretacoes miticas sobre a introducao do mal nos negocios teluricos. Presentes em esculturas, poemas, gravuras, pinturas e em pecas teatrais que se dedicaram a explorar as diversas facetas desse mito ao longo de seculos, Pandora e sua “caixa” compoem certamente um curioso e complexo objeto de estudo. Entre os historiadores da arte e da cultura que se devotaram a este tema, destaca-se o casal Dora e Erwin Panofsky, com o livro A Caixa de Pandora. Publicada originalmente em 1956, esta obra ganhou as livrarias brasileiras apenas em 2009, numa edicao ricamente ilustrada apresentada pela Companhia das Letras. Depois de mais de 50 anos de atraso, o leitor brasileiro poderia se perguntar: por que valeria a pena ousar, tal como Pandora no gesto de descerrar a famosa “caixa”, abrir esse livro? Tantos anos depois de sua primeira publicacao, o que traria de importante para o entendimento do mito de Pandora e para a historia da arte de modo geral? A cada um dos leitores, de acordo com o tipo de interesse que dispensa ao tema, cabe responder a essas perguntas. Mas, seguramente, estamos diante de uma obra-prima de erudicao que conjuga, com maestria, exame estilistico e perspectiva comparada, iluminando as inumeras mudancas no cenario da historiografia da arte atual ao apresentar uma das tradicoes fundamentais na consolidacao e desenvolvimento dos estudos culturais das imagens e dos simbolos. A propria parceria entre Erwin Panofsky e sua esposa Dora torna essa obra ainda mais interessante. Casados desde 1916, apos se conhecerem quando frequentavam o curso de Historia da Arte, em Berlim, compartilharam a carreira e o enorme sucesso intelectual e academico de Erwin na Alemanha do periodo entre-guerras, assim como a mudanca para os Estados Unidos, na decada de 1930, quando da perseguicao aos judeus pelo governo nazista. Apesar de sua promissora formacao em Historia da Arte, Dora nao pode se doutorar. Mae de dois filhos e companheira de um historiador com uma trajetoria brilhante, Dora acabou por abdicar de sua carreira sem, contudo, abster-se de auxiliar nos trabalhos de Erwin e de continuar seus estudos com o historiador da arte Aby Warburg, em Hamburgo, na decada de 1920. Mas foi somente aos 70 anos que Dora comecou a publicar por conta propria e em parceria com o marido, como no caso do livro em exame. Como afirmam muitos comentadores, a escolha do mito de Pandora como objeto de investigacao – alem de contemplar os interesses de ambos pelas mutacoes de mitos e simbolos classicos na arte atraves dos seculos – sugeria tambem uma curiosa anedota. Conhecido entre os amigos pela alcunha de “Pan”, Erwin Panofsky e Dora cunharam a formula “Pan+Dora”, parceria que se realizaria nao apenas na vida conjugal, mas, igualmente, na vida intelectual, companheiros que foram ate a morte de Dora em 1965, seguida pela de “Pan” em 1968. O ponto de partida da obra do casal nao deixa duvida sobre o tipo de problema com que es-

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