
GRADUAÇÃO DE SURDOS E OUVINTES EM LÍNGUA DE SINAIS
2016; Wiley; Volume: 16; Linguagem: Português
10.1111/1471-3802.12262
ISSN1471-3802
Autores Tópico(s)Hearing Impairment and Communication
ResumoEste estudo partiu da necessidade de se conhecer o cotidiano escolar de um Curso Bilíngue Superior, que começou a funcionar na instituição referência nacional no campo da surdez, o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Tal necessidade de imersão e, por conseguinte, de avaliação, se deu por conta da abordagem do Curso, cujo caráter inédito no Brasil e na América Latina considerou, como Língua de Instrução, a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), a língua da comunidade surda, bem como considerou, como Disciplina Obrigatória de sua grade curricular, a Língua Portuguesa, a língua da sociedade majoritária brasileira. O objetivo do estudo foi avaliar até que ponto a LIBRAS é o instrumento mediador da abordagem bilíngue proposta pelas diretrizes do primeiro Curso Superior Bilíngue para estudantes ouvintes e surdos. O estudo destaca as etapas metodológicas da avaliação, dando ênfase à obtenção de dados diretamente no ambiente no qual ocorre o fenômeno avaliado, onde o autor do estudo avaliativo, surdo profundo em função da Síndrome de Goldenhar, é seu principal agente e instrumento. As observações demandaram um semestre. Foram constatadas fragilidades e notadas oportunidades em função do pioneirismo da proposta que tornou realidade um antigo pleito da comunidade surda, um Curso Superior cuja língua de instrução fosse a sua L1. Neste estudo foi possível verificar que, apesar do ineditismo da proposta, a abordagem bilíngue ainda não foi completa e efetivamente contemplada, em função da não utilização plena da Língua de Sinais no cotidiano escolar. A partir dos resultados, recomenda-se a continuidade do Curso, apesar das fragilidades detectadas. O Decreto n° 5.626 (BRASIL, 2005) regulamentou a Lei n° 10.436 (BRASIL, 2002), que oficializa e reconhece a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Finalmente, para os surdos, há o que parece ser uma “luz no final do túnel”. Faz-se necessário admitir que o reconhecimento da Língua de Sinais não foi marcado pelo pioneirismo, diversos países antes do Brasil reconheciam a Língua de Sinais como uma língua. De todo modo, o Brasil se destaca quando o assunto diz respeito à regulamentação da Língua de Sinais. Segundo Antonio Campos de Abreu (apud MACEDO, 2005), representante do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (CONADE), o Brasil foi o pioneiro na regulamentação, ou seja, o primeiro país do mundo a regulamentar a Língua de Sinais. Abreu (apud MACEDO, 2005, não paginado) afirmou que “há 79 países que já reconheceram os sinais como linguagem. Mas foi o Brasil quem primeiro regulamentou”. O Ensino Superior, reunindo estudantes surdos e ouvintes, é uma experiência inovadora, pode-se dizer em todo o mundo, justificando-se, assim, a pertinência de pesquisas na área. […]. Tem-se registro de que o Japão desenvolve, no âmbito do ensino tecnológico, experiência similar. A Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro (ESSUA), Portugal, também registra uma experiência no âmbito do ensino superior para surdos. Já a Universidade de Gallaudet, em Washington, D.C., é uma instituição de educação superior voltada para cidadãos surdos ou com dificuldades de audição, dos Estados Unidos e do mundo. No contexto da Língua de Sinais regulamentada e Curso Bilíngue autorizado pelo MEC, o primeiro vestibular do INES na inovadora concepção apresentou situações que parecem carecer de maior aprofundamento no que é pertinente ao detalhamento do estudo, no Brasil, da sistemática que une surdos e ouvintes em uma mesma sala de aula. E é o que procura demonstrar o presente trabalho investigativo. No primeiro vestibular, sob a égide do Projeto Atual – Curso Superior Bilíngue de Pedagogia, ao final de todas as suas etapas, o quantitativo foi o seguinte: 12 estudantes surdos e 48 estudantes ouvintes. Hoje, à luz do Decreto n° 5.626 (BRASIL, 2005), observa-se a preocupação e o cuidado no sentido de que essa prática pedagógica bilíngue seja uma das que mais contribuam para que a linha evolutiva do indivíduo surdo, no que tange à sua inserção na Sociedade, seja profícua em seus aspectos de desenvolvimento de um ser humano como outro qualquer, e que compreende duas línguas. Evidentemente, essa prática pedagógica leva à necessidade de observar-se a importância da Educação Bilíngue pelos seus apelos à instrução separada ou concomitante da língua dos sinais e da língua pátria nas escolas próprias para os surdos. Portanto, a formação de profissionais bilíngues é condição essencial para que a comunidade surda conclua, com efetividade, um curso superior. Obviamente, a conclusão poderá ser alcançada pela finalização do Curso Bilíngue de Pedagogia do INES. O cenário atual, que demanda a necessidade do presente estudo avaliativo, aponta para contradições. Por esta razão, o objetivo do presente estudo foi avaliar a utilização da LIBRAS como instrumento mediador da abordagem bilíngue proposta pelas diretrizes do primeiro Curso Superior Bilíngue para estudantes ouvintes e surdos oferecido pelo INES. O Curso do INES, na modalidade investigada por esta pesquisa, é também o primeiro Curso Superior Bilíngue do Brasil e da América Latina. Portanto há, hoje, no Brasil, novas e promissoras ações de fomento à consciência de que cidadãos socialmente marginalizados poderiam, como mote de políticas públicas voltadas para a formação de cidadãos ativos em franco exercício de suas diferenças, tornar-se merecedores da ocupação dos “espaços vazios” deixados pelo desconhecimento da sociedade majoritariamente ouvinte de que o processo efetivamente inclusivo gera potenciais fortalezas de liberdade para os surdos de nosso país. Com o Curso Superior Bilíngue do INES, os surdos, com seu código comum aviltado por séculos, oprimidos em sua língua e em sua comunicação, passaram a deter, não apenas no discurso, o direito à educação e, mais do que isso, passaram a deter o direito a uma educação que lhe fosse transmitida, oficial e reconhecidamente, pela sua língua natal, sua L1, a LIBRAS. Com a oficialização, via regulamentação, da LIBRAS, algumas questões, antes consideradas difíceis de serem vislumbradas, passaram a ser condições obrigatórias, como por exemplo a presença dos Intérpretes de LIBRAS em Instituições Federais de Ensino e Instituições Privadas de Ensino Superior e a condição permitida, nessas instituições, da comunicação por parte do surdo, também em LIBRAS. O INES, com 153 anos de História, tem, hoje, cerca de 600 alunos. Atua desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, além de recepcionar Centros de Ensino Superior e de Pós-graduação. No Instituto há também instrumentos de auxílio à inserção do indivíduo surdo no mercado de trabalho. As propostas de ensino profissionalizante e os estágios remunerados corroboram essa visão. Por fim, há, notadamente, o apoio ao ensino e à pesquisa por novos vieses metodológicos que possam ser aplicados no ensino e na capacitação da pessoa surda. O INES também procura dar atendimento à comunidade e aos alunos (e familiares) nas áreas de Fonoaudiologia, Psicologia e Assistência Social. Fachada do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Fonte: INES (2010). O Curso Bilíngue de Pedagogia é realizado pelo INES que, sabe-se, é o Centro de Referência Brasileira no campo da surdez (INES, 2010). Deste modo, a Instituição-Referência parece apta a promover o mencionado Curso que, aproveitando-se da regulamentação da LIBRAS, ocorrida no ano de 2006, faz, da mesma, a língua-padrão do Curso. A modalidade do referido Curso, considerando a LIBRAS como a L1 dos surdos e a Língua Portuguesa como a L2, traz à baila a performance histórica da língua dos sinais até um contexto bem recente quando, ora aceita, ora proibida, foi – e continua sendo – objeto de interpretações favoráveis e desfavoráveis. O Curso Bilíngue de Pedagogia tem processo seletivo próprio. São admitidos candidatos surdos e ouvintes. Os candidatos, necessariamente, precisam de suficiente fluência na LIBRAS. Além disso, em todas as suas atividades didático-pedagógicas, o Curso conta com Intérpretes de LIBRAS/Língua Portuguesa. No Curso – posicionado como sistema de progressão curricular seriada – são admitidos, anualmente, 60 novos estudantes, 30 no período vespertino e 30 no período noturno. Convém finalizar com as condições essenciais do Curso, ou seja, o mesmo tem, como língua de instrução, a LIBRAS. A Língua Portuguesa aparece como disciplina obrigatória, mas na modalidade escrita. Esta é uma experiência única, inédita na história brasileira. Para constituir o universo do presente estudo avaliativo, o contingente a observar, foram selecionadas as duas primeiras turmas (uma no turno da Tarde e outra no turno da Noite) pela ótica de uma Graduação em Pedagogia sob a égide e o conceito de uma Escola Superior Bilíngue pioneira, no que tange às especificidades de uma Escola para Surdos na América Latina. Em princípio, de acordo com o edital do concurso vestibular, cada turma deveria ser formada por 30 estudantes, 15 ouvintes e 15 surdos, compondo um total de 60 estudantes, 30 ouvintes e 30 surdos. Entretanto, mesmo com o curso sendo bem divulgado para as diversas associações e comunidades surdas, o quantitativo de estudantes aprovados foi de 12 surdos e de 48 ouvintes. No momento da realização deste estudo avaliativo havia um total de 35 estudantes e, destes, 29 estudantes ouvintes e apenas 6 estudantes surdos. Com relação aos Professores do Curso, o quadro era composto de 19 Professores, sendo 7 os Professores efetivos, 8 os Professores-substitutos e 4 os Professores horistas. O que se espera alcançar com os resultados das observações, em um primeiro instante, é a possibilidade de trazer à baila evidências sobre a necessidade ou não de mudanças na atual sistemática, englobando questão pedagógica, que rege o cotidiano do Curso Bilíngue de Pedagogia, cuja história pioneira na América Latina coube ao INES iniciar. Uma das principais premissas do presente estudo avaliativo diz respeito ao fato de que um Curso Bilíngue, mesmo sendo pioneiro, só faz o necessário sentido para existir quando reflete uma abordagem, de fato, bilíngue. Mais do que isso, respeita tanto a Língua de Sinais, principal língua de instrução do Curso em avaliação, como a Língua Portuguesa, língua que participa da grade do Curso como disciplina obrigatória e observada, pelo menos teoricamente, em sua modalidade escrita. Em processo de comparação e análise das observações, o avaliador partiu de determinado ponto em que percebia que todos os partícipes do presente estudo teriam necessidades e problemas a relatar e a elucidar, de modo a buscar o devido equacionamento. Muitas das revelações denotaram, algumas vezes, situações de medo no enfrentamento do desconhecido – apontado como o preço a pagar pelo pioneirismo do Curso Bilíngue, haja vista a limitação constatável em função de uma prática pedagógica ainda incipiente. Por outro lado, as turmas que participaram do presente estudo avaliativo seriam as primeiras a se graduarem em Pedagogia sob a égide da sistemática bilíngue – LIBRAS como língua de instrução – em um nível superior no Brasil. Por fim, também foram constatadas incertezas por conta do diminuto número de estudantes surdos ainda comparecendo ao Curso. As turmas observadas eram as duas únicas turmas do oitavo período do Curso Bilíngue de Pedagogia do INES; este foi o último período antes da graduação. Considerando o quantitativo inicial de 60 estudantes, alocados no período vespertino e noturno (30 estudantes em cada período), o Curso teve uma perda de 25 estudantes, ou seja, 19 estudantes ouvintes e seis estudantes surdos. Com relação à questão da perda de estudantes, o avaliador fez o seguinte questionamento aos estudantes ouvintes e surdos: “quais os motivos que levaram, na sua concepção, os estudantes ouvintes e surdos a saírem do Curso Bilíngue de Pedagogia do INES?”. A maioria dos estudantes, tanto ouvintes quanto surdos, apontou que o motivo principal da saída dos estudantes ouvintes foi a falta de condições financeiras para continuar no Curso. Com relação aos estudantes surdos, a maioria dos estudantes, tanto ouvintes quanto surdos, apontou que o motivo principal da saída dos estudantes surdos foi a falta de condições para compreender a Língua Portuguesa, tanto na modalidade falada quanto na modalidade escrita. O ineditismo cobra o seu preço; não há modelos a seguir. Há, como mencionado por FRANCO (2009), experiências semelhantes no Japão (na área tecnológica) e na ESSUA, em Portugal. Cada experiência tem suas especificidades. Assim, portanto, nosso país, por intermédio do INES, caminha por “mares nunca antes navegados”. Outrossim, sendo o primeiro a regulamentar a Língua de Sinais e o primeiro a colocar surdos e ouvintes em uma mesma sala de aula (tendo a Língua de Sinais como a língua de instrução), em educação de nível superior, o Brasil dá um gigantesco passo em uma hercúlea e louvável iniciativa… a de proporcionar, igualmente a ouvintes e a surdos, o direito de posicionarem-se como cidadãos ativos e partícipes do progresso de toda a Sociedade. A construção da obra pioneira do INES parece ser o início de um caminho próspero e promissor de união de diferentes, mas iguais em anseios e em realizações, parece ser o início de uma condição que é essencial para a existência feliz no planeta, a condição do acolhimento e do pertencimento de uma comunidade que, por séculos, sentiu-se oprimida e alijada de quaisquer ideais de conquista e êxito. Obviamente, após a observação que levou um semestre, foram notadas fragilidades que devem ser estudadas à luz dos acontecimentos que, cotidianamente, se repetem, como por exemplo, o que revela o exame de proficiência para o ingresso no Curso – o candidato ouvinte parece ter mais condições de aprovação do que o candidato surdo, o problema advindo da dificuldade dos estudantes surdos com a Língua Portuguesa, a não imersão dos Professores no estudo da Língua de Sinais, o pouco conhecimento de LIBRAS por parte dos Coordenadores e Funcionários, os “atropelos” que, vez por outra, acontecem quando Intérpretes saem de sua atribuição comunicativa etc. Tudo leva a crer que uma política cultural bilíngue está sendo urdida no Brasil, de forma inédita, configurando-se numa abertura a uma nova lógica, a um novo e comprometido sentido da prática histórica como prática política e, sobretudo, “um ensaio à liberdade”. Não resta a menor dúvida de que há muito para ser feito ainda. Novos planos são necessários, bem como falhas existem para serem corrigidas. Mas parece que a consciência de que as mudanças são necessárias já existe nos muitos corredores do Instituto. Lá, se orgulham de seu trabalho, profissionais que conhecem a História e a efetividade do INES. Assim, a possibilidade de visibilidade e de valorização dos talentos do surdo estará em mentes que saberão exercer, condignamente, suas funções educativas e, mais do que isso, saberão exercer o compromisso com a formação de cidadãos ativos e co-responsáveis pelo futuro da Sociedade. No conflict of interest.
Referência(s)