
INDÍGENAS NA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS
2016; Wiley; Volume: 16; Linguagem: Português
10.1111/1471-3802.12197
ISSN1471-3802
AutoresMarcos André Ferreira Estácio, Diana Andreza Rebouças Almeida,
Tópico(s)Indigenous Health and Education
ResumoAs ações afirmativas são um conjunto de políticas públicas e práticas interdependentes e complementares, relativas a experiências e vivências sócio-políticas e culturais dos atores sócio-educacionais, na contemporaneidade. A pesquisa objetivou analisar o sistema de acesso e permanência de indígenas na Universidade do Estado do Amazonas, a qual foi implementada pela Lei Estadual n.° 2.894/2004. A metodologia foi qualitativa, do tipo documental e a pesquisa de campo realizada com discentes da Escola Normal Superior. Compreende-se que ao se abordar as ações afirmativas e a democratização do ensino superior, enfoca-se, diretamente, a problemática do acesso e permanência de estudantes oriundos das escolas públicas, de afro-descendentes e de índios. E nesse sentido, o efeito mais visível dessas políticas, além do estabelecimento da diversidade e representatividade propriamente ditas, é o de eliminar as barreiras invisíveis que emperram o avanço de negros, indígenas, quilombolas…, independentemente da existência ou não de política oficial tendente a subalternizá-los. Affirmative actions are a set of public policies and interdependent and complementary practices relating to experiences and socio political and cultural experiences of socio educational actors nowadays. The research aimed to analyze the access system and indigenous staying in Universidade do Estado do Amazonas, which was implemented by State Law 2,894/2004. The methodology was qualitative, the document type and field research with students of the Escola Normal Superior. It is understood that when addressing the affirmative action and the democratization of higher education, it focuses directly, the problem of access and permanence of students from public schools, african descent and indians. And in that sense, the most visible effect of these policies, in addition to establishing diversity and representativeness themselves, is to eliminate the invisible barriers that hamper the advancement of blacks, indians, maroons… regardless of whether or not the official policy aimed at below them. A situação atual das populações indígenas situadas em território brasileiro, cuja luta maior “é pela sobrevivência não somente no plano material, como também enquanto nações distintas” (LEITE, 2006, p. 87), detentoras de culturas próprias, tem sua presença reconhecida não apenas em relação à sociedade nacional, mas também está presente na comparação dos povos indígenas entre si, sob o aspecto linguístico, cultural e na relação de contato com a sociedade brasileira. Acredita-se que esta presença indígena pode ser expressa na existência de 200 a 305 povos indígenas – as estimativas variam dependendo do referencial adotado –, os quais habitam centenas de aldeias localizadas em todos os estados brasileiros. A população indígena do estado do Amazonas é de 183.514, dos quais 34.302 índios residem em áreas urbanas, e, destes, 3.837 indígenas residem em Manaus (IBGE, 2014a, 2014b). As estimativas feitas pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) (2013) e pela Fundação Estadual de Política Indigenista do Amazonas (Fepi)1 variam de 15.000 a 25.000 indígenas vivendo em Manaus, mas tais estimativas são as mesmas há vários anos. Outras estimativas foram realizadas por Bernal (2009) e pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi)2, os quais afirmam que os índios em Manaus somam 8.000 e 8.500, respectivamente. Na terra manauara, esses índios vivem em bairros de periferia, sem acesso a direitos e serviços públicos básicos, principalmente de saúde e educação. Isso é comprovado nos dados do Censo Escolar (2013) do Ministério da Educação, onde Manaus registra o número de 726 instituições públicas de educação básica em atividade, sendo que apenas três delas são reconhecidas como escolas indígenas1 , as quais atendem 90 alunos. Logo, é imprescindível a ampliação do acesso escolar diferenciado para as comunidades indígenas, possibilitando-lhes uma educação específica e o respeito às características étnicas e socioculturais. As reformas educacionais para as populações indígenas propostas pelo governo brasileiro, vem propiciando um grande estímulo à discussão sobre escolarização das e nas aldeias, com inúmeros projetos de formação e capacitação de professores indígenas realizados no País nos últimos anos (BANIWA, 2014), com financiamento público e participação de secretarias estaduais e municipais de educação, universidades e organizações não governamentais (ONG). A Lei n.° 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Ldben), também conhecida como LDB –, asegura, aos povos indígenas, o atendimento, em universidades públicas e privadas, mediante a oferta de ensino e assistência estudantil, e também o estímulo à pesquisa e desenvolvimento de programas especiais (Art. 79, caput e § 3.°), determinação esta, incluída pela Lei n.° 12.416, de 9 de junho de 2011. Uma das instituições públicas de educação superior no estado do Amazonas é a Universidade do Estado do Amazonas (UEA)2 , instituição de ensino vinculada ao Governo do Estado. Atualmente a UEA possui na capital do Amazonas as seguintes unidades acadêmicas: Escola Normal Superior (ENS), Escola Superior de Tecnologia (EST), Escola Superior de Ciências da Saúde (ESA), Escola Superior de Artes e Turismo (Esat) e Escola Superior de Ciências Sociais (ESO). Em 17 municípios do interior do estado, estão os centros de estudos superiores e os núcleos de estudos superiores.5 a partir do vestibular de 2005, de um percentual de vagas, por curso, no mínimo igual ao percentual da população indígena na composição da população amazonense, para serem preenchidas, exclusivamente, por candidatos pertencentes às etnias indígenas localizadas no Estado do Amazonas (Art. 5.°). Compreende-se essa determinação legal enquanto uma política social de ação afirmativa do tipo quotas étnicas, voltada para alcançar a igualdade de oportunidades entre as pessoas, distinguindo e beneficiando grupos afetados por mecanismos historicamente discriminatórios, objetivando alterar, positivamente, a situação de desvantagem desses grupos. O número de vagas oferecidas para os candidatos pertencentes às etnias indígenas, no período de 2005 a 2013, totalizaram 1.469, porém apenas 796 foram efetivamente preenchidas e, desse total, 54,19% dos alunos indígenas matriculados estão realizando cursos na capital. Da análise dos dados coletados, identificou-se que o não preenchimento de 673 vagas destinadas a indígenas na UEA, o que representa 45,81% das vagas do Grupo 10 no período de 2005 a 2013, ocorreram, principalmente, não por ausência de candidatos inscritos e aprovados, mas pelo não comparecimento deles nas unidades acadêmicas da UEA para efetuarem suas matrículas e também por não conseguirem comprovar sua condição étnica por meio do Registro Administrativo de Nascimento e Óbito de Índios (Rani), razão que leva ao indeferimento da matrícula. A situação acadêmica dos alunos do Grupo 10 na UEA é: A situação “Regular” representa, neste estudo, os alunos que estão cursando regularmente seus cursos de graduação, independentemente de aprovação ou reprovação. O “Abandono” está previsto na Resolução n.° 002/2006, de 7 de abril de 2006, a qual dispõe “sobre o desligamento de aluno por abandono das atividades acadêmicas” (AMAZONAS; UEA, 2006, p. 4). eu vim do interior e não tenho familiar aqui na cidade (Manaus). E mais, não sabia que aqui precisava de dinheiro todo dia. Até para ir estudar, para pagar o ônibus. Então tive que trabalhar para poder viver aqui e o horário do meu trabalho é o mesmo do meu curso. Então, entre trabalhar e estudar, eu tive, quero dizer, tenho que trabalhar (MURAKY SARA, ENTREVISTA, 2011). A “Desistência” é a formalização, por meio de processo administrativo, pelos integrantes do quadro de discente da UEA da renúncia à vaga conquistada em concurso vestibular. Identificou-se que os principais motivos apontados pelos desistentes que os levaram a não continuarem seus cursos – e provavelmente também de abandono e evasão – são as de origens financeiras e pedagógicas, evidenciando um (re)pensar pela Universidade de ações para os indígenas as quais não estejam adstritas apenas ao ingresso, mas que busque a permanência deles. E mais: que esse ato de permanecer seja exitoso. A situação acadêmica dos “Concluídos” corresponde aos alunos que terminaram seus cursos superiores. Os “Transferidos” são aqueles discentes que solicitaram mudança de curso para outra Instituição de Ensino Superior (IES). Dos dados coletados e analisados, identificou-se também que as situações de evasão, abandono e desistência podem ser revertidas, sendo que, nos dois últimos casos, faz-se necessária a formalização por parte do estudante interessado e a aceitação da administração da UEA em reverter a referida situação acadêmica. As quotas da UEA favorecem apenas a entrada, e aí depois você se vire para permanecer. Não tem apoio de nada. Não existe nenhum acompanhamento. Ninguém chega perguntando: Como é que está indo? Como é que está o ensino? Quais são as suas dificuldades? Não tem nada disso. Quando eu tive dificuldades financeiras, pois não tinha dinheiro para o transporte, para xérox, aí eu tive de parar de estudar. Isso porque ninguém me ajudou, nem Funai, nem UEA. Meu marido também estudava, aí eu decidi parar por um tempo para ele terminar os estudos dele. Mas agora eu voltei a estudar, e não importa quanto tempo eu vou levar, mas eu vou terminar esta faculdade (YUCURUARU, ENTREVISTA, 2011). Logo, como afirma Waçá (ENTREVISTA, 2010), “as quotas da UEA devem ser melhoradas, com convênios com prefeituras e a criação ou divulgação dos programas de bolsa e apoio aos índios para ajudar na moradia, alimentação e transporte. Tudo isso para que nós possamos continuar nossos estudos”. Mas também “no sentido de acompanhar os alunos perguntando deles quais são as dificuldades, o porquê de eles não estarem voltando para a faculdade, fazer uma entrevista para saber o porquê de os indígenas estarem deixando a faculdade” (YUCURUARU, ENTREVISTA, 2010). As ações afirmativas devem se constituir em um conjunto de políticas públicas e práticas interdependentes e complementares, relativas a experiências e vivências sócio-políticas e culturais dos/as atores sócio-educacionais, na contemporaneidade. Esse enfoque se coloca avesso às simplificações, ao tempo em que sublinha a possibilidade de compreendermos ações afirmativas, enquanto uma construção histórica, sócio-cultural em movimento. Por conseguinte, ao se abordar as ações afirmativas e a democratização do ensino superior, enfoca-se, diretamente, a problemática do acesso e permanência de estudantes oriundos das escolas públicas, de afro-descendentes, de índios e índio-descendentes, o sistema de reserva de vaga, que ora ocupa o debate dos movimentos sociais, das políticas institucionais e das políticas públicas, constituindo como uma questão importante no que tange à criação do espaço necessário para a formulação e implementação de políticas de promoção da igualdade racial, uma vez que, no Brasil os preconceitos e a discriminação racial não foram zerados, persistindo em superposição a exclusão étnico-racial e social. Assim, as ações afirmativas têm como objetivo não apenas coibir a discriminação do presente, mas, sobretudo, eliminar os efeitos persistentes (psicológicos, culturais e comportamentais) da discriminação do passado, que tendem a se perpetuar. Esses efeitos se revelam na chamada discriminação estrutural, presentes nas desigualdades sociais entre grupos dominantes e grupos marginalizados. No que tange as quotas para índígenas da UEA, identificou-se que elas se restringem ao acesso, o que denota que nesta instituição de ensino superior inexiste uma política ampla de ação afirmativa destinadas aos índios, a qual deve ser (re)construída com programas institucionais de permanência, pois os alunos de origem étnica que ingressaram nesta universidade criam estratégias informais, pessoais e familiares para permanecerem estudando e muitas vezes, ou quase sempre, sem o apoio da instituição. Diante do exposto, compreendemos que não basta criar vagas específicas na educação superior para serem preenchidas pelos candidatos de origem étnica, mas se faz necessário à criação de programas complementares e institucionais, os quais sejam capazes de promover tanto a permanência material quanto simbólica dos índios na universidade, e que estas sejam exitosas. Não há conflito de interesse.
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