A construção da postura profissional para o encontro terapêutico: um abraço a ser lembrado
2016; Volume: 25; Issue: 54 Linguagem: Português
ISSN
2594-4363
Autores Tópico(s)Psychotherapy Techniques and Applications
ResumoFoi um abraco longo. Pensativa, sai da consulta. Porem, bastante emocionada. Ainda um pouco apreensiva com as novas possibilidades com que acabara de me deparar naquele processo terapeutico, eu estava com certo medo de experimenta-las. Afinal, as incertezas me fascinam, mas trazem com elas o receio do novo, do nunca vivido. Aquele terapeuta havia feito diferenca em minha vida. Foram alguns anos de trocas e oscilacoes: alegrias e tristezas, desânimo e boas descobertas, inseguranca e coragem. Era a despedida, o fechamento de um ciclo que precisava - naquele momento - ser concluido. Mas, eu sabia que, a qualquer hora, ele estaria ali, naquele lugar, para me acolher e compartilhar minhas questoes. Porem, eu precisava caminhar sozinha, desbravar o futuro me alicercando nas narrativas que antes eram impensadas, mas que a partir daquele momento estavam acessiveis e ressignificadas, recontadas por mim mesma, com a coautoria dele, numa atmosfera que me abracava, assim como o gesto da nossa despedida. Ele nao foi somente testemunha ou espectador da minha historia, mas me ajudou a colocar virgulas, acrescentar e tirar personagens, mexer nos paragrafos e ate mudar de lugar alguns pontos finais da minha biografia.Depois de ler o artigo “A construcao da postura profissional para o encontro terapeutico”, viajei pelos meus 20 anos (e espero fazer terapia ate onde minha lucidez e emocao alcancarem) como “cliente”, “analisanda”, “paciente”, alguns dos nomes dados pelas diferentes linhas terapeuticas para uma pessoa que esta buscando encontrar conforto, autoconhecimento, reflexao, alivio, bem-estar (sao inumeras as demandas e expectativas), a partir da troca com um outro, o terapeuta. Quantos detalhes em nossa profissao estao envolvidos, nos mostrando a importância deste encontro. Entretanto, ha algo constantemente instigante presente em minha pratica, dentre tantos pontos relevantes mencionados pelos autores, que e a desejada “posicao de nao saber”. Aparentemente simples, a posicao de nao saber do terapeuta requer humildade e, acima de tudo, curiosidade. Um estado de curiosidade genuino, que carrega uma vontade de descobrir algo novo, nas palavras dentro das palavras, no olhar, no silencio ruidoso, nas hipoteses compartilhadas com o cliente, e ate mesmo no abraco ou no aperto de maos quando uma sessao termina.Andersen (1994) ressalta a importância do dialogo interno enquanto ouvimos o outro, num processo reflexivo. A conexao interna e expandida, assim como a conexao com os outros, buscando outros meios existentes de pensar e assim amplificar possibilidades de construir o real.Penso em como e bom quando ha um interesse autentico por nos numa relacao, sem a intencao de emissao de julgamentos ou de posicionamentos reativos. Quanto mais esta curiosidade estiver viva, mais teremos a propensao de nos sentirmos inteiros, queridos e seguros para a relacao com o outro: o dialogo terapeutico passa a ter uma conexao diferente, numa conversa horizontal que transforma o dificil em recurso, que sai do conteudo para passear pelos processos, pelas relacoes, na busca dos sentidos. Enquanto vivi este processo, nem sempre ficou claro aonde ele iria me levar, mas admito que me sentir ouvida, legitimada e convidada a reflexao me faziam “sair do lugar”, trazendo uma sensacao revigorante de inquietude.O inicio dos encontros pode ser um pouco doloroso uma vez que, para comecarmos qualquer movimento, precisamos afrouxar as narrativas que nos amarram, que nos “enquadram” e que acreditamos serem nossas unicas realidades. Mas, os encontros vao propiciando pequenas transformacoes. E transformacoes deslocam, inevitavelmente, nossas referencias – o contrario tambem acontece. Como nos fala Michel White (2012), “e eu sei que as aventuras que ocorrem nessas jornadas nao dizem respeito a confirmacao do que ja e conhecido, mas a expedicoes rumo ao que e possivel as pessoas saberem sobre sua vida”. Aos poucos, o encontro terapeutico vai nos fortalecendo e vamos vendo que na relacao com o outro ha um recorte de nos mesmos. Vice-versa. Mas, isso nao deveria ser tao assustador. Relembrando uma frase ainda tao atual de Minuchin (2009), “...um terapeuta e um especialista que abraca a incerteza”.Aprendemos que momentos de leveza podem chegar, desde que queiramos recebe-los, e que novas narrativas podem nos levar a sentir emocoes tambem novas. A pergunta do terapeuta nos conduz a lugares talvez nunca visitados, refletindo o movimento da vida e fazendo um convite muitas vezes surpreendente.Que diferenca estou fazendo na vida dos meus clientes e como sou afetada por eles? A que os convido com minhas perguntas e reflexoes? Como posso me conectar com eles a cada encontro? Sera que minhas vozes internas estao em movimento ou sao aquelas vozes cronicas que tentam sempre nos visitar?Recentemente, ganhei de presente a autobiografia de Oliver Sacks, medico neurologista, professor e escritor, com o titulo “Sempre em Movimento”. Ele diz: “De todo modo, sou um narrador, um contador de historias. Desconfio que o gosto pela narrativa e uma disposicao humana universal, que acompanha as nossas capacidades de linguagem, de consciencia de si e de memoria autobiografica” (2015). Que a ideia de movimento esteja presente nos encontros com nossos clientes, assim como na capacidade de contar e recontar as historias, ressignificar seus roteiros e, quem sabe, construir caminhos inusitados.[...] e necessario repensar aquilo que damos como certo em nossa maneira de perceber o mundo e compreender como as descricoes e formas de pensar funcionam, para que servem, em que situacoes e para quem (Rasera & Japur, 2007). E, sim, torco para que um dia eu seja lembrada depois de um abraco apertado cheio de significados, como aquele terapeuta que e ate hoje lembrado por mim.
Referência(s)