Artigo Revisado por pares

Star Wars: o despertar da força

2016; Volume: 25; Issue: 54 Linguagem: Português

ISSN

2594-4363

Autores

Bruno Lenzi,

Tópico(s)

Literature, Culture, and Criticism

Resumo

Com a estreia de um novo Star Wars vem um convite que preciso aceitar, em colocar os meus pensamentos e reflexoes sobre esta saga, seus herois e suas jornadas. Por muitos anos tenho acompanhado a producao da saga e do mito, sempre em dialogo com Joseph Campbell e o conhecimento da jornada do heroi. Com o episodio VII da saga, surgem reflexoes e a oportunidade de embarcarmos na nossa jornada mitica. E um momento de tumulto no contexto das personagens, o medo, a repressao, a ganância e o controle estao presentes no cotidiano. Uma figura sinistra, apoiada por um regime totalitarista, lidera o movimento de extincao das diferencas, em prol da homogeneidade social. Uma batalha entre o orgânico e o mecânico, a tecnologia contra a natureza. Contra esta forca, um grupo de resistencia batalha pela liberdade, pela democracia e pela heterogeneidade. Estas sao as forcas motoras e opostas em jogo: a ordem pelo medo, representada pela Primeira Ordem e a liberdade pela democracia, representada pela Resistencia da Republica. E neste momento e contexto que uma figura humilde, de vida simples que e desafiada a participar de algo maior que ele, o inicio de sua jornada mitica. O heroi precisa escolher algo que ele nunca tinha imaginado para si, naturalmente ele resiste, tem medo, acredita que nao faz parte do fluxo do universo, esta a margem e impotente. Mas atraves de sua conexao com os outros, de sua compaixao, ele encontra companheiros e da os primeiros passos em direcao a aventura. Logo a missao se apresenta como vital a sobrevivencia da galaxia e novamente o heroi se percebe impotente frente a tamanho compromisso. Este e o momento para o encontro com o mestre anciao, um velho marcado pelo tempo, de humor facil. O mestre inspira o heroi com historias de grandes aventuras, de como todos estamos conectados no universo, de um poder especial, que nos faz maiores que nos mesmos, que pode ser usado para o bem, ou para o mal. Mas e apenas com o choque de realidade, de que tudo o que o heroi conhece e ama sera destruido, que ele se liberta do medo. A partir deste momento o heroi desenvolve habilidades e finalmente se encontra com sua sombra, um heroi caido, seduzido pelo caminho mais facil, de controle e medo. Como licao final o mestre atua com amor perante a sombra e se sacrifica pelo heroi. Mesmo em luto pela perda de seu mestre, o heroi precisa enfrentar a sombra e aprender com ela. A sombra e tentadora, ela oferece poderes inimaginaveis ao heroi, busca corrompe-lo e converte-lo para a escuridao, reprimindo sua humanidade, sua compaixao e sentimentos, pela promessa de ordem e paz. O heroi e tentado, mas o sacrificio do mestre o encoraja a escolher pelo caminho da luz. Ele preserva sua humanidade e atua com compaixao. Ele dissolve as trevas com sua luz. Transbordado de amor, esperanca e confianca o heroi sai do encontro elevado, transformado. Ele agora alcancou um novo conhecimento, que traz esperanca para o desenvolvimento de todos, em um compromisso com o todo. Se a leitura inspira ou causa medo e recusa, e por que todos nos vivemos diariamente os convites, recusas e aceites as aventuras miticas que compoem nossas vidas. Em uma escala cinematografica, a saga Star Wars , trata de pessoas simples, humildes, sem poderes especiais, como qualquer um de nos e de como podemos nos desenvolver em nossas jornadas. Quando estamos atentos ao nosso contexto podemos perceber os convites que recebemos, refletir sobre o quao nos sentimos preparados para embarcar naquela aventura, se fazemos parte do todo, ou se ainda nos sentimos a margem dos grandes acontecimentos humanos. Quando, atraves de nossa compaixao, pudermos escolher por nos conectarmos aos outros a nossa volta e nos percebermos como parte vital da vida terrena, estaremos dando os primeiros passos na nossa jornada mitica. O que esperar dai? Nesta jornada encontramos as pessoas mais especiais, nos misturamos a elas, passamos a fazer parte de um sistema diferente, comprometido com a sustentabilidade e com o amor. Encontramos grandes mestres, cheios de conhecimento e historias, que nos elevam e inspiram a continuarmos nosso arduo movimento de convite, de contagio, a outros herois em seguir suas jornadas. Mas, principalmente, somos incentivados a encontrar com nossas sombras. Estes momentos transformadores, quando somos tentados a desviar do nosso caminho, em que o mais facil seria ceder a nossa raiva e medo, de agredir ao proximo, de marginalizar a diferenca, de reprimir a liberdade. Deparamo-nos nestes encontros com nossas sombras todos os dias, quando escolhemos nao educar a crianca pela palmada, quando nos esforcamos para nao agredir ninguem no transito, quando nos comprometemos a nao sermos corruptos, a nao encontrar jeitinhos para as situacoes desafiantes (as vezes nem tanto) de nossas vidas. Acredito que quando estamos caminhando pela luz, acompanhados por nossos mestres, podemos construir conhecimentos libertadores destas praticas violentas e corruptas. Remeto-me a minha jornada, quando conheci Harlene Anderson e os conhecimentos da terapia colaborativa e da postura dialogica (Anderson, 2009). Foi um momento de dificil escolha, me afastar de praticas de saber especializado, para me aproximar de seres humanos, como outro ser humano, com compaixao e esperanca. Em minha jornada, constantemente invoco a voz desta mestre para iluminar minhas escolhas. Estou comprometido com uma pratica de amor, que preza pelos relacionamentos humanos como locais de transformacao. Que acredita e confia no processo das pessoas, sem querer guiar o processo a partir dos meus significados, aberto para a jornada do outro, como um companheiro, alguem com quem se comprometer com as transformacoes necessarias para o desenvolvimento. Esta voz esta sempre comigo, em minha imaginacao, ela e muitas outras vozes, pessoas importantes e pensamentos constantes com quem dialogo para a construcao de minha identidade e posicionamentos. Sao os personagens internos de Telma Lenzi (2013), que sao tao companheiros de nossas jornadas quanto as pessoas com quem nos conectamos. Podemos identificar estas vozes, as principais, que nos acompanham no cotidiano, por exemplo, e facil perceber em mim uma voz de repressao, que me culpa pelas minhas falhas, uma voz que chamo de general, ela me seduz a agir de forma a controlar meu contexto, para que possa ter o melhor resultado em cada situacao. Esta e uma voz a se questionar, ela me coloca em um caminho complexo de fins justificando meios, individualista na crenca de que eu saberia qual o melhor fim a ser alcancado. Para dialogar com esta voz construi outro personagem interno: o mestre interior (como aquele anciao verde do filme?), uma voz que me coloca em um caminho de esperanca e amor, que acredita no desenvolvimento dos processos, que e fascinado por acompanhar estes processos, apreciando cada desenvolvimento, cada transformacao. Esta voz convida o general para o dialogo, entendendo seus medos e aceitando suas coerencias historicas. Com amor, eu dissolvo meus medos e me afirmo em um caminho mais social de transformacao com meus companheiros de jornada, sejam eles meus familiares, amigos, estudantes e clientes. Ha de confiar que cada um deles se desenvolvera da melhor forma, se eu estiver participando com minha colaboracao, curiosidade e fe em seus processos. Quando nos engajamos as nossas vozes internas, quando encontramos dialogo privado, desenvolvemos o conhecimento de nos mesmos, elevamos nossa percepcao de recursos pessoais, como em um estado meditativo, encontramos paz e sabedoria em nossas escolhas. No dialogo externo, com as pessoas que encontro em meu cotidiano, exploramos nossas historias, desenvolvemos o conhecimento de si, do outro e do mundo, de forma a empodera-las de suas autorias sobre suas historias e as contagiar de esperanca para novos movimentos, sempre norteados pela paz e compaixao por quem sera participante destas acoes. Esta e uma pratica politica, de buscar o seu desenvolvimento, enquanto facilita o desenvolvimento do seu universo. Lembro-me da historia da arvore, que se nutre atraves da fotossintese, ingerindo gas carbonico e expelindo precioso oxigenio, que se reproduz usando frutos, nutrindo, por sua vez, outros seres vivos. A arvore e um ser politico, ela busca seu desenvolvimento enquanto facilita o desenvolvimento da vida ao seu redor. Se, em nossas jornadas, pudermos ser tao bons quanto uma arvore, ja estaremos fazendo grande diferenca no nosso mundo. Se a vida inspira a arte, podemos acreditar que a arte inspira a vida em retorno. Este inicio de uma nova aventura da saga Star Wars inspira uma nova geracao a estarem atentos aos convites para suas aventuras, a se conectarem com seus companheiros de jornada, a encontrarem seus mestres disfarcados e se comprometerem ao desenvolvimento que eles facilitam para, entao, desenvolverem seu conhecimento e vozes internas que o acompanharao no dialogo interno para a construcao do enfrentamento de suas sombras e desafios, para se encontrarem com conceitos de compaixao, esperanca e liberdade, transbordando de luz e dissolvendo as sombras que nos tentam aos caminhos mais faceis e irresponsaveis de acao no mundo.

Referência(s)