
O dilema multicultural e o desafio da antropologia
2017; National Association of Post-Graduate Research in Social Sciences; Volume: 32; Issue: 95 Linguagem: Português
10.17666/329506/2017
ISSN1806-9053
Autores Tópico(s)Urban and sociocultural dynamics
Resumo, e um convite ao debate academico e politico sobre alguns impasses que envolvem a discussao sobre diferencas etnicas e nacionais nas heterogeneas socie-dades contemporâneas. Trata-se de uma sintese cria-tiva de um longo percurso de investigacao – especial-mente em Mocambique, Portugal e Brasil –, em que o tema do multiculturalismo constituiu, de maneira central ou tangencial, o horizonte de preocupacao academica. Como justifica o autor, nao se trata, por-tanto, de uma reuniao de textos escritos, mas de uma reescrita baseada no problema central em torno dos paradoxos do multiculturalismo e do lugar da propria antropologia no campo minado da diversidade, da identidade e da diferenca politica e cultural. O dilema multicultural e, sobretudo, um proble-ma politico que diz respeito a propria forma de orga-nizacao do Estado nacional moderno e a necessidade de “intervir e legislar” em nome do reconhecimento da diferenca no interior das fronteiras nacionais. A imaginacao nacional, pelo menos desde o final do seculo XIX, estabeleceu-se a partir do isomorfismo entre Estado, nacao, povo e territorio. Neste modelo, a diferenca interna ao territorio nacional deveria ser assimilada, expulsa ou, nos casos mais extremos, exter -minada em nome da construcao homogenea da nacao (Gellner, 1996). E justamente depois dessas solucoes mais extremadas, como no caso do Holocausto na Se -gunda Guerra Mundial, ou dos processos de descolo-nizacao na Asia e na Africa, que a pauta da diferenca cultural no interior das nacoes passa ser repensada e paulatinamente reconhecida.Nas ultimas decadas, as politicas multiculturais alimentam-se de uma gramatica conceitual advinda do proprio campo da antropologia e outras ciencias sociais. Com o advento dos estudos culturais e do multiculturalismo, a antropologia perdeu o mono-polio da reflexao legitima sobre o conceito de cul-tura, que atualmente circula em um campo reflexi-vo de debate publico em torno das reivindicacoes e das politicas multiculturais. Os antropologos sao, por sua vez, interpelados a se posicionarem diante do feitico que se virou contra os feiticeiros, ou seja, diante das visoes essencialistas de conceitos de ma-triz antropologica apropriados pelos grupos sociais e agencias de Estado, produzindo desentendimen-tos, equivocos, entre outras significacoes. Como afirma o autor, “o desafio do dilema multicultural consiste, tambem, em ter de lidar com um objeto que reflete acerca da sua propria condicao (multi)cultural” (p. 39). Esse lugar reflexivo, critico e, por vezes, colaborativo da antropologia no debate e na agenda politica multicultural e, sem duvida, um dos pontos relevantes deste livro. Lorenzo Macagno tambem apresenta uma criti-ca a nocao de “reconhecimento” que permeia o deba -te multicultural, especialmente no campo da filoso-fia politica nos Estados Unidos. O “falso problema” do reconhecimento parte de uma visao normativa de uma sociedade democratica fundada em nocoes de confianca, contrato, consenso e virtudes publicas. Ao problematizar essa carga valorativa, o autor pode estender essa nocao para o amplo campo observavel das interacoes sociais, em que estao presentes formas sociais variadas de hospitalidade e hostilidade, coo-peracao e conflito, adulacao e traicao. Nesse sentido, podemos reconhecer tanto um “amigo” como um “inimigo”, alem de saber que um “amigo” pode se tornar “inimigo” e vice-versa no jogo das relacoes so -ciais. Um dos aspectos inovadores da discussao sobre reconhecimento, que merece desdobramentos futu-ros, diz respeito justamente ao “perturbador proble-ma da traicao” (p. 176). A defesa de uma abordagem empirica das microrrelacoes de reconhecimento pos -sibilitaria ainda introduzir o problema da guerra e do conflito social no debate da antropologia do politico, problematizando as visoes centradas em mediacoes culturais e negociacoes politicas (Montero, Arruti e Pompa, 2012; Macagno, 2014). O livro e composto por uma apresentacao de Pe-ter Fry, um prefacio de Michel Cahen, introducao, seis capitulos, conclusao e uma nota sobre os capitulos.Na introducao, Lorenzo Macagno discorre so-bre o “terreno pantanoso e movedico” dos dilemas e caminhos do multiculturalismo e o desafio da an-tropologia diante de um objeto que fala e pensa a
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