
Resenha - Teoria do Conhecimento e Estudos Organizacionais: para Além de um Único Caminho
2017; UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA; Volume: 7; Issue: 2 Linguagem: Português
10.21714/2238-104x2017v7i2-37244
ISSN2238-104X
AutoresArnaldo J. F. M. Nogueira, Ricardo Lebbos Favoreto,
Tópico(s)Business and Management Studies
ResumoA obra que resenhamos e um bom exemplo de como o texto em formato de livro pode constituir um espaco muito mais pujante que o texto em formato de artigo. A razao e simples: a prolixidade permite maior agudeza no desenvolvimento dos argumentos. Leituras breves, no entanto, constituem uma tendencia contemporânea – e isso tambem na academia. O prefaciador da obra, Professor Mauricio Serva, manifesta alegria por se deparar “com um livro finalizado”, “uma vitoria num momento em que os livros foram lamentavel e inexplicavelmente desconsiderados na avaliacao da criacao cientifica em nosso pais”. Antes de ler o livro, lemos o artigo “Para alem dos paradigmas nos Estudos Organizacionais: o Circulo das Matrizes Epistemicas”, publicado tambem em 2015, na revista Cadernos EBAPE.BR. O teor do artigo e semelhante ao de boa parte do livro. Ter lido antes o artigo nao amainou, no entanto, o proveito extraido da leitura do livro. Pelo contrario; tratando o texto de tematica verdadeiramente complexa, a iteracao do conteudo contribuiu para consolidar a compreensao. O livro tem funcao muito mais grandiosa, entretanto. Nas 23 paginas do artigo, nao e possivel empregar a forca argumentativa que se emprega no livro. A proposito, as notas de rodape do livro (nada menos que 133) sao altamente colaborativas. Sem cometer excessos, a autora tece notas valiosas, que, em alguns momentos, chegam a concorrer em grau de relevância com o texto principal. A nota 20, por exemplo, registra outra nota relativamente extensa grafada no fim do capitulo 3 do livro “Sociological paradigms and organizacional analysis”, de Burrel e Morgan, uma oportunidade para os leitores tomarem contato com a referida obra, que, como a autora coloca em passagem anterior, “e um dos textos mais influentes da teoria organizacional, embora tenha sido pouco lido” (p. 55). A nota 25, outro exemplo, registra uma citacao da obra “A ideia de justica”, do indiano, laureado em 1998 com o Nobel de Economia, Amartya Sen, na qual se discute o que e comensurabilidade. Surpreende a sensibilidade da autora em trazer ao corpo do debate uma questao em que talvez pouco pensamos, a despeito de, a todo momento, pegarmo-nos usando o termo “incomensurabilidade”, mesmo sabendo da controversia que seu uso encerra. Os estudos organizacionais tem sido conduzidos por diferentes caminhos cujos fundamentos epistemologicos podem e devem ser questionados pelo motivo de trazerem consigo concepcoes de mundo que orientam a compreensao das organizacoes e o desejo de intervencao nas organizacoes. Com isso, o fluxo entre epistemologia, teoria do conhecimento, teorias organizacionais, pesquisa e pratica esta sempre presente, ainda que oculto na maioria das vezes. Ao questionar a forma como tradicionalmente concebemos os estudos organizacionais, Ana Paula Paes de Paula outorga-nos, pela via do exemplo, um atestado de liberdade. Isso porque ela propria, indicando um caminho alternativo – cognominado “circulo das matrizes epistemicas” -, fa-lo desvencilhando-se das amarras dos paradigmas totalizantes de Burrel e Morgan. A exposicao das vulnerabilidades dos paradigmas e a propositura de um novo caminho, ostentadas nessa ordem, constituem o cerne do trajeto percorrido na obra, cujo apice se acha no capitulo quinto, no qual se apresenta o circulo das matrizes epistemicas, e culmina nos dois ultimos capitulos, dedicados a uma reconstrucao epistemica avancada, a abordagem freudo-frankfurtiana para os estudos organizacionais. Do prefacio as consideracoes finais, a obra e profusa em discussoes epistemologicas deveras significativas para os estudos organizacionais. Nos seus capitulos, autores como Adorno, Aktouf, Freud, Guerreiro Ramos e Habermas encorpam seus argumentos na discussao com outros integrantes de extensa lista de quase 21 paginas de referencias da literatura. A maturidade da obra e espelhada na fluidez dos dialogos estabelecidos entre ideias diversas, da autora e de outros autores. Transfere-se ao leitor uma sensacao de intimidade que parece ela propria, a autora, guardar com as obras referenciadas. A leitura torna-se, assim, um exercicio prazeroso, que nos aproxima de grandes obras do campo de estudos organizacionais e tambem da historia do conhecimento em geral. Seu amplo alcance contrasta com a habitual reducao metodologica que marca o campo organizacional. No capitulo primeiro, apresenta-se a evolucao historica dos estudos organizacionais, passando-se por Estados Unidos, Europa e Brasil. O leitor encontrara nessa secao detalhes interessantes e pouco disseminados, como a identificacao da epoca de surgimento da expressao “estudos organizacionais” e dos eventos em torno dos quais se moldaram as caracteristicas do campo. A historia e contada dialeticamente, evidenciando-se a evolucao como uma serie de “encontroes” entre abordagens hegemonicas e abordagens alternativas. Sao esses confrontos que subsidiam o capitulo segundo, no qual se discutem a tese da incomensurabilidade e a “guerra paradigmatica” vigente num campo seccionado e partidarizado por um conjunto globalizante de uns poucos paradigmas. O popular diagrama de Burrel e Morgan e reproduzido e debatido no capitulo. A critica embasa-se principalmente na inaplicabilidade da teoria kuhniana de desenvolvimento do conhecimento, de que se valem Burrel e Morgan, as ciencias sociais. Na esteira do antecessor, o capitulo terceiro afunila a critica, achegando-a aos estudos organizacionais. Nesse ponto, a obra fica aberta, entao, ao acolhimento de um caminho alternativo, que a autora estreia utilizando-se da proposta habermasiana contida em “Conhecimento e Interesse”. O caminho comeca a ser tecido no proximo capitulo, o quarto. Nas ideias de Habermas, a autora acredita encontrar subsidio mais apropriado a explicacao do modo como o conhecimento evolui nos estudos organizacionais. A partir da teoria dos interesses cognitivos, concebe, entao, um novo referencial, o circulo das matrizes epistemicas, apresentado no capitulo seguinte. Na proposta engendrada, Habermas assume o papel que, no modelo de Burrel e Morgan, coubera a Kuhn. O capitulo quinto e o coracao da obra. As matrizes empirico-analitica, hermeneutica e critica constituem uma referencia que, no minimo, instiga o leitor a questionar o potencial explicativo do modelo paradigmatico. No capitulo sexto, a autora inicia sua jornada final: primeiramente, demonstrando a viabilidade analitica de se pensar, pela lente das matrizes epistemicas, cada uma das abordagens sociologicas usualmente referenciadas nos estudos organizacionais; depois, nos capitulos setimo e oitavo, esmiucando um exemplo de uma reconstrucao epistemica avancada, produto da tese da incompletude cognitiva. Entre as abordagens visitadas no primeiro momento, ha aquelas, no meio academico nacional, mais conhecidas, como a funcionalista e a interpretativista, e outras menos, como a humanista e a estruturalista radical. O conteudo dos dois capitulos finais, por sua vez, almeja-se um referencial teorico aplicavel aos estudos organizacionais que se oriente pelo interesse emancipatorio, tao caro a proposta habermasiana. Nesses capitulos conclusivos, o desenvolvimento de uma reconstrucao epistemica especifica, a abordagem freudo-frankfurtiana, concretiza a teoria anteriormente apresentada pela autora. Construindo conteudos substancialmente relevantes, a autora serve-se desses capitulos para confirmar a razao da tese central da obra. E neles que se visualiza, “em termos praticos”, sua proposta. Instrumental, o capitulo oitavo exibe, inclusive, caminhos metodologicos e estrategias de investigacao para o emprego da abordagem freudo-frankfurtiana nos estudos organizacionais. Ao lado do seu legado principal, o novo referencial representado pelo circulo das matrizes epistemicas, a obra tambem nos lega um “efeito colateral” tao importante quanto: a possibilidade (demonstrada) de por em suspensao as “verdades” constitutivas dos estudos organizacionais. Quando se considera o referencial proposto apenas uma dentre outras perspectivas, o exercicio de repensar os estudos organizacionais coaduna-se com a expectativa de, permanentemente, verem-se emergir “novas teorias” do conhecimento. Ideia-se, entao, um titulo levemente remodelado: “Repensando os estudos organizacionais: por novas teorias do conhecimento”. Afinal, o caminho sugerido pela autora nao e somente um caminho, senao uma especie de orientacao que pode conduzir-nos a multiplos caminhos. Sem deixar de lado o rigor intelectivo, a proposta acolhe, ao inves de expulsar, e, como consequencia, amplia o campo dos estudos organizacionais, ao inves de restringi-lo a um pensamento unico ou a um conjunto pre-concebido de alternativas postas a disposicao em um mostruario.
Referência(s)