À la recherche du vin comme révélateur littéraire. En relisant Jean Giono
2003; Brill; Volume: 10; Issue: 1 Linguagem: Português
ISSN
1768-3084
Autores Tópico(s)Cultural Insights and Digital Impacts
ResumoUma leitura possivel de Jean Giono : o vinho como revelador literario. ; Nos, quer geografos, quer historiadores, gostamos de utilizar citacoes literarias, como se de formulas magicas se tratasse, para abrir trabalhos que em seguida raramente lhes fazem referencia. Assim, servimo-nos delas apenas como meras decoracoes de fachada. Ora e pena. Poderiamos encontrar em muitos textos de ficcao, se os lessemos de maneira menos distraida, materia para empregar os nossos talentos disciplinares, para explorar vias ainda pouco frequentadas ou ate ineditas, e deste modo descobrir tesouros escondidos. Alem disso teriamos o prazer de conviver intimamente com uma expressao escrita que poderia talvez suscitar em nos, como por osmose, uma maior exigencia em relacao a nossa. ; Felizmente ha excepcoes que nos podem servir de referencia, tal como a singular leitura geografica dos Lusiadas que soube fazer Orlando Ribeiro. Verdade e tambem que ha obras, como esta epopeia, particularmente adequadas para o efeito, por se inscreverem deliberadamente num tempo e num espaco bem definidos, embora nem sempre redutiveis a realidade concreta. Da mesma maneira poderiamos reflectir, por exemplo, nas vertentes espaco-temporais de obras como Mau Tempo no Canal, de Vitorino Nemesio, tao cuidadosamente impregnada do seu contexto acoriano, ou A Jangada de Pedra, de Jose Saramago, que promoveu a Peninsula Iberica e a fronteira dos Pireneus a categoria de verdadeiros actores romanescos. Noutras obras, como a de Julien Gracq, romancista mas tambem geografo de profissao, e no proprio âmago da escrita que aparece a sensibilidade ao espaco, a atmosfera. ; A vinha, esculpida pela poda, que por sua vez molda e ordena a paisagem, bem como o vinho, vector de jubilacao e de loucura, constituem desde a Antiguidade ingredientes literarios muito apreciados. Conforme o caso e o projecto do autor, eles podem ser simples cenarios ou verdadeiros ordenadores da narrativa, suportes ou pretextos de imagens, parabolas do sagrado ou molas da paixao, e de uma forma ou outra contribuem, por pouco que seja, ao gosto e ao perfume que afinal de contas o texto exala. Por vezes, no conjunto da partitura da obra, o momento exacto da entrada em cena da vinha ou do vinho pode ter tanto ou mais importância que a propria musica que eles executam. ; Vamos tentar por em evidencia esse momento, escutar essa musica e interpretar-lhe o significado, no caso de uma das mais potentes obras romanescas francesas do seculo XX, a de Jean Giono (1895-1970), cuja excepcional forca criadora lancou profundas raizes na sua Provenca montanhosa e dela fez surgir o universal, um pouco a semelhanca de um Aquilino Ribeiro ou de um Miguel Torga. Temos com efeito a impressao que num numero significativo de historias construidas por esse feiticeiro do verbo, o vinho ocupa um papel simbolico de primeira ordem que nao foi ainda evidenciado como o merecia. E a volta dele, com a sua intervencao ou a pretexto da sua presenca, que se constroi o momento decisivo da narracao : o vinho teria assim uma funcao de revelador literario. ; Um tanto paradoxalmente, apesar de quase sempre fazer parte da paisagem normal destas terras altas da Provenca interior, a vinha aqui raramente chegou a alcancar grande prestigio e reputacao. Pois e isso mesmo : ao lado da geografia do real e do concreto existe tambem uma geografia do imaginario, a qual Jean Giono foi particularmente sensivel, e que o geografo tambem pode considerar como merecedora de estudo e atencao.
Referência(s)