Artigo Revisado por pares

Uma face menos nobre da literatra portuguesa de viagens

2018; University of North Carolina Press; Volume: 58; Issue: 3 Linguagem: Português

10.1353/rmc.2018.0036

ISSN

2165-7599

Autores

Luís André Nepomuceno,

Tópico(s)

Galician and Iberian cultural studies

Resumo

Uma face menos nobre da literatra portuguesa de viagens Luís André Nepomuceno Por volta de 1507, o impressor e tradutor alemão conhecido por seu nome português Valentim Fernandes, nascido na Morávia e radicado em Lisboa desde o fim do séc. XV, enviava a Konrad Peutinger, humanista, diplomata, antiquário e secretário municipal de Augsburgo, um precioso manuscrito em latim e português contendo vários textos sobre viagens marítimas portuguesas de gêneros diversos. O códice, que só foi descoberto no séc. XIX (Bayerische Staatsbibliothek, Codex Hispanicus, 27), pertencera à biblioteca pessoal de Peutinger. Damião de Góis, em carta escrita em 1542 a João Diogo Fugger, deu notícia do manuscrito na casa de Peutinger, admirando-se de que o livro de nada servia ao alemão, porque este ignorava o idioma português (Torres I 349). O códice só foi publicado em 1940, sob o nome de Manuscrito Valentim Fernandes (Baião 1940). Ainda hoje não é possível saber se Fernandes enviara a Peutinger um conjunto de textos fragmentados, de origens distintas, ou se ele mesmo os copiara, enviando-os encadernados em livro. Ambos os interlocutores alemães vinham de interesses comuns nas viagens e descobertas portuguesas. Fernandes, por certo um dos mais importantes nomes quinhentistas ligados à impressão de manuscritos relativos à literatura dos descobrimentos em Portugal, publicara em 1502 a primeira coletânea portuguesa impressa de viagens, incluindo num mesmo volume uma versão das viagens de Marco Polo, o livro de Nicolau Venetto e a carta de Jerônimo de Santo Estevão, numa época em que "não se julgou avisado dar prioridade a obras sobre os Descobrimentos" (Andrade 352) e em que a edição de livros religiosos dominava o cenário editorial manuelino. O alemão, que dera à estampa os primeiros livros ilustrados em Lisboa, como o famoso Vita Christi, de Ludolfo da Saxônia (1495), vinha granjeando notoriedade como pioneiro das artes tipográficas em terras portuguesas. As anotações manuscritas de 300 páginas em português [End Page 391] e latim que ele enviava ao amigo Peutinger cedo revelou-se a mais importante coletânea de literatura de viagens da primeira década do novo século. Mas o documento ganhou a estrada e foi estacionar em terras estrangeiras, escondido sob a guarda de um homem culto que, no entanto, não o podia ler na sua totalidade. O tesouro não era propriedade portuguesa, e cronistas e humanistas, como Damião de Góis, ressentiram-se da sua falta. O trabalho de recolha e organização dos blocos temáticos do manuscrito, seja ele obra de Valentim Fernandes, seja de Peutinger, seguiu um critério geográfico na exposição das descobertas portuguesas: há um bloco oriental, na primeira parte, e um bloco africano, na segunda. A primeira série, com dois textos, inclui (1) um relato da expedição do capitão-mor Dom Francisco de Almeida, em 1505, quando de sua primeira viagem para a fundação do Estado da Índia; e (2) uma descrição de autor anônimo acerca da Índia e "Das ylhas de Dyue" (Maldivas). A segunda série ocupa-se essencialmente de descrições e roteiros de viagens permeando a costa ocidental da África, e contém (3) uma rica "Descripção de Ceuta e norte de África", escrita pelo próprio Valentim Fernandes, a partir de testemunhos de viajantes portugueses; (4) uma relação histórico-geográfica de arquipélagos e ilhas atlânticas, com mapas desenhados por Fernandes; (5) um resumo da "Crónica da Guiné" de Gomes Eanes de Zurara (1453), que Fernandes trasladou em 1506, conforme informação sua; (6) o relato latino de Diogo Gomes de Sintra, "De prima inuentione Guinee", sobre descobertas henriquinas na África; e (7) o primeiro roteiro de viagem português, "Este livro he de rotear", importante itinerário de navegação da costa atlântica, que inaugura o gênero em Portugal (Baião 1940). Fernandes sabia que seu feito não era trabalho de pouca monta: no todo, os textos (seis em português e um em...

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