REVISTA COMPLETA. Ano 02. Número 01: Edição julho de 2005.

2019; Volume: 2; Issue: 1 Linguagem: Português

ISSN

1679-9887

Autores

Psicanálise e Barroco em Revista,

Tópico(s)

Literature, Culture, and Criticism

Resumo

Bem-vindos ao nosso terceiro numero! Ainda que nao tenhamos tido a intencao de compor os numeros editados com enquadramentos tematicos, parece que na organizacao dos mesmos, os temas conspiram; tal como quando nos colocamos a investigar um dito assunto e entao o encontramos por toda a parte, como se tudo conspirasse para esse encontro, como me lembrava outro dia o poeta Marco Luchesi. E foi assim que, se no primeiro numero da Psicanalise&Barroco em revista, esse estado de conspiracao se teceu em torno da literatura, e no segundo, em torno da relacao com a contemporaneidade, agora parece que fomos imantados pelo feminino e o que se tece em torno dele, via as expressoes e os discursos que tentam apreende-lo, e a suposicao de um gozo que lhe corresponderia. Dessa forma, como verao, o que vamos lhes apresentar nesse numero tres, e um conjunto de artigos que “coincidentemente” acabam por, de alguma forma, circunscrever essa direcao tematica. O primeiro dos artigos que lhes apresentamos e o belissimo texto de Nadia Paulo Ferreira, intitulado “O amor como recusa do dom no trovadorismo e no barroco”. Nele, a autora, com a maestria de quem entende do assunto, e a sensibilidade de uma lida com o saber que se sabe nao pleno, busca na fonte dos poetas contornar o vazio da nao plenitude em torno do qual gravitamos. No artigo encontramos, de um lado, as cantigas de amor cortes e a poesia barroca, enquanto manifestacoes nas quais a privacao do objeto aparece como condicao de uma impossibilidade que e estrutural. De outro lado, nas cantigas de amigos surge uma primeira versao mitica do amor que, denegando o limite da satisfacao, faz dele promessa de falicidade e de gozo pleno. O romantismo apresentado como uma expressao dessa promessa de falicidade retomada das cantigas de amigo, representa a insistencia em idealizar, denegando a castracao, mas entretanto, incorpora o sofrimento presente nas cantigas de amor cortes fazendo aparecer historias de amores infelizes. “A dor do amor se converte em gozo no sofrer”, e o heroi ou poeta convertem-se em expectadores melancolicos de suas proprias vidas. Nadia argumenta que a Dama no amor cortes nao e a representacao imagetica das mulheres, mas sim d’A/ Mulher. Designacao pela qual Lacan, seguindo Freud, busca situar a inexistencia do significante do Outro-sexo, do feminino, assim como tambem da morte, no inconsciente. Sera por essa via, que a Dama toma valor de um misterio inviolavel, expressando o impossivel da relacao sexual em torno do mito da castidade. Resta entao a sublimacao, aludindo a existencia de um gozo Outro que sera retomado pela poesia barroca na via da abordagem do objeto como para sempre perdido. Com sua focalizacao do amor na otica de obras literarias, a autora ressalta a observacao de Lacan de que o amor aparece em suplencia a impossibilidade da relacao sexual – impossibilidade para os seres falantes, da conjugacao perfeita entre os sexos–, e lembra ainda, que este ganha diversas versoes na vida e nas obras. No trabalho analitico, via o amor de transferencia ele serve como meio de operar o que e da ordem do real pela via do simbolico, o que possibilita as relacoes entre o inconsciente, o saber e a verdade, colocando em cena a funcao da sublimacao, que e a via pela qual o inexoravel da falta, pode advir como meio de gozo, de um gozo Outro, nao mais sintomatico e denotador de um defeito na simbolizacao. Essa dimensao inexoravel da falta encontra na posicao feminina sua expressao maxima, o que nos leva ao bombastico aforismo lacaniano “A mulher nao existe”. Isso seria entao o mote para que cada mulher venha entao a inventar sua maneira propria de fazer-se uma mulher. E nessa perspectiva que a chamada dimensao da mascarada encontra sua funcao. Com o veu das mascaras, da maquiagem, dos artificios, cada mulher, confrontada desde sempre, com a dimensao radical da privacao simbolica do phallos, enquanto consequencia psiquica da diferenca anatomica entre os sexos, tenta contornar o enigma da feminilidade, dando de certa forma, expressao falica, para o que excede as possibilidades de ser delimitado pelos significantes. A mascara adquire uma funcao semelhante a do escrito, destinando-se a fazer borda a uma impossibilidade. O que ai se revela, e que a insuficiencia da satisfacao aportada pelo gozo falico, sexual, exige a suposicao da existencia de um gozo Outro, encontrado fora do campo sexual. Um gozo feminino no sentido que lhe atribui a psicanalise, o aproximando ao gozo mistico e tecendo sua relacao com uma certa versao do amor. Esse gozo ganha, segundo Lacan, expressao privilegiada na arte barroca. Sao essas ideias que encontram-se desenvolvidas no delicioso artigo de Irineide Santarem Andre Henriques com a analise que faz da poesia barroca de Soror Juana Ines de la Cruz, conhecida como a “Fenix Mexicana”, que ainda que dedicada a vida monastica, trata em sua obra de temas como o amor, o feminino, a teologia e a tragedia. Ainda dentro do contexto de questionamentos que a feminilidade nos aporta, o artigo de Aline Vilhena Lisboa “O feminino em Pablo Picasso”, apresenta uma contribuicao interessante com uma analise que articula a vida e a obra desse grande artista, para quem a arte e uma mentira que faz realizar a verdade. Por essa definicao, ja se pode perceber uma relacao possivel entre essa visao da arte e a mascarada, da qual falavamos acima. Como se nao bastasse, o artigo enfatiza que nas distorcoes operadas pela retratacao das mulheres, que nao eram mulheres qualquer, mas figuras importantes da vida amorosa do artista, algo se enuncia da verdade desse sujeito. Ou ainda, da forma como esse sujeito faz sua lida com a verdade. O que pode ser ainda transformado na questao proposta pela autora: “O que e ‘a’ mulher de Picasso? Se concordarmos com Nietzsche que diz que a verdade e mulher, o que justificaria o insucesso da viril racionalidade filosofica para aborda-la, sera ai mesmo que se explicitara o veio fecundo de investigacao sugerido pela autora. Por falar em verdade, e essa sua natureza de revelacao e encobrimento, que se presentifica na producao dos discursos, o assunto ao qual se dedica o proximo texto deste numero de nossa revista. Trata-se de um presente que nos foi encaminhado por Terezinha Maria Scher Pereira, com seu artigo “O dialogo e o desejo em Guimaraes Rosa”. Buscando caracterizar a producao intelectual latino-americana utiliza elementos da obra do nosso maravilhoso Guimaraes Rosa, para apontar nele a presenca do que em sua teoria dos quatro discursos, Lacan denominou como discurso histerico. Tal discurso e marcado pela dinâmica na qual o mestre e convocado para que se ponha em questao a sua verdade. A histerica forca a verdade a chegar ao seu limite e mostra que a verdade e nao toda, so podendo, desta forma, ser dita pela metade, como nos lembra o autor acima citado. A utilizacao que fiz de “a histerica” no feminino, nao e gratuita. A histeria apresenta-se como uma indagacao acerca do misterio da feminilidade. Nessa perspectiva o trabalho de Terezinha nos da elementos para pensarmos sobre a presenca da feminilidade em nossa cultura, na qual por mais que por vezes nos hipnotizemos universitariamente pela verdade do mestre que vem de alhures, nao raro, nossas producoes intelectuais e artisticas revelam-se como obras que frutificam pelo questionamento dessas mesmas “verdades”, trabalhando com a inversao de papeis, onde as multiplas hipoteses tomam o lugar das desejadas respostas. Isso e o que nos ensina a autora enfatizando com sua analise, a dimensao barroca de nossas producoes, sua relacao com o modo da psicanalise operar com o discurso e conclamando a visualizacao de “Outros possiveis lugares de enunciacao”, numa perspectiva na qual nao se perca a “pratica do mundo”. Para concluir esse numero, mais uma perola para essa nossa colecao. Escandindo o plano da visualizacao, Mauro Mendes Dias, apresenta-se como bendito fruto entre as autoras. Com o artigo “Moda e mercado do olhar”, recortando aspectos desenvolvidos em seu livro Moda: divina decadencia, aponta que bem para alem da moda ser indicativa de status social, ela se fundamenta sobre a indissociabilidade entre o ser falante e sua roupa. Mostra que isso pode ser denotado desde a Genese com Adao e Eva. Estes, logo apos terem comido o fruto proibido, e terem sido expulsos do paraiso, envergonham-se de sua nudez e se poem a cozer vestes para si mesmos. Assim, advir como humano, inscrito na dimensao da sexualidade, implica perder a nudez, recorrer ao universo das vestes com as quais se vela a falta-a-ser. O jubilo da imagem que permite que o sujeito se tome por um objeto passivel de ser visto como amavel pelo Outro, faz esse sujeito cativo do gozo escopico, o que incrementa o valor da vestimenta. O autor argumenta que a moda vem tentar instrumentalizar esse gozo e, ao mesmo tempo em que pode servir a que o sujeito possa responder “maneiristicamente”, eu diria, ao desejo do Outro, demarcando com isso uma expressao de sua subjetividade, pode por outro lado, fazer-se tambem meio de enclausuramento, via o agenciamento capitalista que e feito dela. A direcao do trabalho analitico implica um certo desnudamento, na medida em que o sujeito e convocado a fazer um ultrapassamento de suas identificacoes imaginarias. Entretanto, resta sempre de qualquer forma, inventar estilisticamente um modo de contornar o vazio que se encontra no centro de nossa existencia. Nesse contexto nao e a toa que as mulheres sejam, em geral, mais sensiveis a moda, talvez isso expresse sua intima relacao com aquilo que a posicao feminina lanca mao, como suplencia frente a condicao radical de privacao na qual se encontra. Bom, agora e so deitar e rolar. Desejamos a voces um bom divertimento. Por Denise Maurano Mello

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