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O CASO DAMIÃO XIMENES, A LEI DE REFORMA PSIQUIÁTRICA E OS AVANÇOS EM SAÚDE MENTAL NO BRASIL

2018; UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA; Issue: 20 Linguagem: Português

10.13102/semic.v0i20.3232

ISSN

2595-0339

Autores

Jéssica Santos Machado,

Tópico(s)

Health, Nursing, Elderly Care

Resumo

O triste cenário enfrentado pelas pessoas que possuíam algum transtorno mental grave no Brasil, sobretudo na segunda metade do século XX, era motivo de incômodo para médicos psiquiatras e familiares. Os primeiros enfrentavam condições precárias de trabalho em clínicas mal preparadas para receber os pacientes. Os segundos sofriam em ter que deixar seus entes queridos à mercê dos escassos cuidados dos profissionais médicos e enfermeiros das instituições.A crítica ao modelo hospitalocêntrico, ou seja, à centralização e internamento compulsório e indiscriminado dos pacientes psiquiátricos em hospitais surge no Brasil por volta do ano 1978, através do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental. O movimento, formado por associações de familiares desses pacientes, juntamente com profissionais que trabalhavam direta ou indiretamente com essas pessoas, trazia a denúncia dos maus tratos e atrocidades cometidas dentro dos manicômios, ou hospitais psiquiátricos. (BRASIL,2005)O movimento por um país livre de instituições psiquiátricas encarceradoras de seus pacientes toma forma e é discutido em diversos encontros entre a comunidade e profissionais da área. Os encontros importantes para o amadurecimento do enfrentamento da doença psiquiátrica no Brasil foram: em 1987, em Bauru, São Paulo, o II Congresso Nacional de Trabalhadores em Saúde Mental; em 1990, a Conferência de Caracas; e em Dezembro de 1992, a II Conferência Nacional de Saúde Mental, no Rio de Janeiro.Em 1989 deu entrada no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Deputado Paulo Delgado (PT/MG), Projeto de Lei 3.657/89, propondo a regulamentação dos direitos da pessoa com transtornos mentais e a extinção progressiva dos manicômios. O Projeto de Lei conferiu uma dimensão nacional às medidas que já estavam sendo tomadas em lugares pontuais no Brasil e deu corpo ao Movimento Antimanicomial no Brasil. O Projeto foi derrubado em 1995, mas em seu lugar e de total inspiração neste, o Projeto do Senador Lucídio Portella culmina, doze anos após o projeto do deputado Delgado, na Lei 10.216/2011 mais conhecida como Lei de Reforma Psiquiátrica.A chamada de “mercantilização da loucura”, onde as instituições privadas recebiam do Estado, na figura do município, para manter esses pacientes internados, foi uma das situações denunciadas por Austregésilo Carrano Bueno, usuário de maconha que foi internado em uma dessas clínicas, em seu livro autobiográfico Canto dos Malditos, que inspirou o filme Bicho de Sete Cabeças da diretora Laís Bodanzky e roteiro de Luiz Bolognesi. Além da mercantilização e interesse em manter os pacientes nos hospitais psiquiátricos para receber mais verbas do município, o livro traz uma denúncia sobre os métodos e a violência institucional praticada por médicos e enfermeiros, no qual o hospital possuía áreas de isolamento para o “castigo” dos pacientes, além dos maus tratos físicos como banhos gelados, instalações degradantes à condição humana e alimentação básica deficiente, e psicológicos como pressões produzidas pelos próprios médicos e enfermeiros, ao tratarem os pacientes em termos semelhantes a animais.Em uma dessas instituições privadas credenciada ao Sistema Único de Saúde, a Casa de Repouso Guararapes, foi internado Damião Ximenes. Damião sofreu abusos físicos gravíssimos que o levaram a óbito em uma clínica Psiquiátrica do Município de Sobral, no interior do Ceará, em Outubro de 1999. Sua irmã, indignada com o tratamento desumano recebido por ele, resolveu recorrer à justiça brasileira, mas sem uma resposta digna da memória de seu irmão submeteu o caso à Corte Internacional de Direitos Humanos para que o Estado pagasse por seus erros.Na Corte Internacional de Direitos Humanos, o Caso Damião Ximenes representou a primeira condenação no âmbito dos direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e a primeira condenação formal do Brasil na Corte.

Referência(s)