REVISTA COMPLETA. Ano 05. Número 02: Edição dezembro de 2007.

2019; Volume: 5; Issue: 2 Linguagem: Português

ISSN

1679-9887

Autores

Psicanálise e Barroco em Revista,

Tópico(s)

Psychology and Mental Health

Resumo

Psicanalise & Barroco em revista chega ao seu quinto ano de existencia com o lancamento de seu primeiro numero do quinto volume. Ao longo desses anos, temos conseguido manter a articulacao entre a arte, a psicanalise e a cultura, como eixo principal dessa publicacao, quer diretamente atraves da tematica privilegiada pelos artigos selecionados, quer atraves do modo como propomos que os textos sejam abordados e se relacionem entre si. Neste numero, como alias, nao e raro ocorrer, temos a presenca reiterada de certos temas que nos sao enderecados, e que aparecem em alguns dos diferentes artigos selecionados, a partir de focalizacoes bastante diversas. Referimos-nos aqui, mais precisamente, ao feminino, abordado seja artisticamente atraves de obras que merecem destaque, seja por suas manifestacoes na densidade e na dinâmica da vida. Junto com esses artigos, outros tres focalizam diferentes temas como a musica e o mito, a psicose e a relacao do gozo com o sintoma. Comecemos pelo texto de Heloneida Neri, que, elaborado a partir de sua dissertacao de mestrado, trata da questao: O feminino e o crime passional. A autora, a partir de sua experiencia de atendimento a detentas em uma instituicao carceraria, traz achados bastante interessantes mostrando de que maneira a etica da psicanalise pode se fazer valer, ainda que em condicoes bastante adversas. Nesta perspectiva, a escuta proposta esta bem longe de ser moralizante ou culpabilizante. O que e visado, como acontece em qualquer contexto psicanalitico e que as intervencoes busquem implicar o sujeito nos seus atos, em sua responsabilidade desejante. A autora constata de que maneira, na maioria dos atos transgressivos das mulheres, a paixao e o amor, aparecem como causas, e menciona o dado curioso que revela que do numero total da massa carceraria, apenas 6% sao mulheres, o que evidencia que a criminalidade feminina e imensamente menos significante quando comparada a masculina, 94%, merecendo assim ser mais bem debatida. Destaca que “a contribuicao da psicanalise ao campo juridico, nao diz respeito a uma intervencao, mas, sobretudo ao entendimento do que esta em jogo na transgressao como expressao sintomatica do sujeito”. Sobretudo no que tange ao crime passional, de um modo muito pertinente, faz cruzar questoes relativas ao genero, na medida em que trabalha com mulheres, com questoes relativas a posicao feminina tal como esta e abordada pela psicanalise, trazendo diversos elementos que merecem ser objeto de um estudo mais detalhado tanto por parte de juristas, como de psicanalistas. O trabalho seguinte versa sobre uma mulher que acabou por ser encarcerada, nao numa unidade penitenciaria, mas numa instituicao psiquiatrica, na qual morreu apos trinta anos de confinamento. O artigo Camille Claudel – angustia e devastacao, de Jean-Claude Soares e Vivian Martins Ligeiro faz cruzar elementos de intensidade passional da biografia da escultora, com suas producoes artisticas. Nele, a posicao feminina e avaliada em suas consequencias devastadoras, quando a mulher diante da ausencia de um significante que a sustente enquanto tal, ou seja, que possibilite que ela possa se haver com o enigma da feminilidade, recorre a mae e posteriormente, ao homem eleito, nao encontrando em nenhum deles, senao “catastrofe” ou “devastacao”. Permanecendo, deste modo, a deriva, frente ao real de um furo onde a angustia revela o sujeito radicalmente desamparado e carente de ancoramentos falicos. Na sequencia, o artigo Frida Kahlo: uma vida, de Marli Miranda Bastos e Maria Anita Carneiro Ribeiro aborda, detalhadamente, aspectos da conturbada vida desta pintora para sublinhar dimensoes importantes de sua obra e tambem de sua relacao com seus amores. Assolada por diversos acidentes fatidicos, o sonho de vir a ser medica, se substitui pela lida com a arte, via por onde a faticidade encontra meio de expressao de forma a possibilitar que o horror seja transfigurado pela beleza. O belo funciona como um veu que permite uma maior aproximacao da morte, ja que neutraliza o horror que disso adviria. No texto, o conceito psicanalitico de sublimacao comparece como uma chave para se tentar entender o que se passa no processo de criacao, e o carater sensual e feminino dos trabalhos da artista mais do que um estilo, parece indicar uma orientacao etica, uma subversao nos padroes viris da pintura e do que atraves dela pode ser expresso. A questao do feminino volta a aparecer no artigo de Ana Costa que aborda a arte do cineasta Pedro Almodovar como fundamentada nos conceitos de feminino e de barroco. Fazendo um breve percurso pela filmografia do artista a autora observa que desde seu primeiro filme a fazer sucesso, Mulheres a beira de um ataque de nervos, ainda que focalizando a mulher, o que o cineasta tematiza e a identidade sexual como fantasia, ou seja, como uma construcao marcada pelos cliches de cada tempo. Para sua analise, ela escolhe dois filmes Tudo sobre minha mae e Fale com ela, que fazem um contraponto na tematica do feminino. No primeiro ela observa um desdobramento inter-geracional da representacao da mulher insatisfeita, atraves da focalizacao de duas personagens que aparecem neste filme: uma, de nome Manuela que perde seu unico filho justamente quando este e atropelado ao querer ir atras dessa outra, uma atriz que representava Blanche, a histerica de Um bonde chamado desejo, peca teatral que passou ao cinema nos anos 50. No outro filme analisado, Fale com ela, atraves de uma composicao barroca de casais insatisfeitos, que prima pela apresentacao de corpos em sofrimento, exibe-se a transformacao do padecimento em gozo, atraves de uma construcao alegorica. A alegoria cara a arte barroca, comparece no filme vindo servir ao genio para dar expressao as irresolucoes, entraves, ou mesmo possibilidades que recaem sobre o sexual, via o desejo que o anima e que faz uma contencao a desmedida do gozo. No artigo seguinte Antonin Artaud: arte e estetica da existencia, a questao da desmedida do gozo encontra no fazer poetico desse escritor laureado, uma via de sublimacao. Novamente, o tema da sublimacao comparece. A autora, Sonia Borges, busca atraves de uma rica analise da obra de Artaud, alimentar o questionamento sobre a arte e sua funcao na psicose. Ao criticar a verdade imaginaria do senso-comum, movido por um “empuxo a criacao” bem proprio a psicose, o escritor se rebela contra o dualismo alma/corpo, produzindo com seus “poemas-corpo” uma convocacao a que se repense o lugar da arte e da cultura no mundo contemporâneo. Nessa mesma direcao, a autora lembra que, como propoem Lacan, a pratica da poesia possibilita um meio de se tratar o Real pelo simbolico, o que evidencia o quanto ela serve, nao apenas a arte e a literatura, mas tambem a psicanalise, razao pela qual esta bem poderia toma-la como modelo. Nao sem boas razoes, a questao da poesia nos remete tambem a sonoridade e a musica, por isso, na sequencia da organizacao desse numero, incluimos o belo artigo de Bruno Portes intitulado Entre o mito e a musica: pontuacoes sobre a estrutura. Nele, o autor referindo-se a Levy Strauss, lembra que este sublinha que o mito e a musica sao, de fato o mesmo, porque gozam tanto da relacao de similaridade, quanto da relacao de contiguidade. Alem de tanto o mito, quanto a musica deverem ser entendidos como uma sequencia continua, Strauss aponta um movimento ao longo da historia, no qual a musica veio a assumir a funcao mitologica que num certo momento foi banida do pensamento ocidental. Ele mostra de que modo, a partir da Renascenca, foi como se a musica em sua funcao intelectual e emotiva, ao inventar formas musicais especificas, estilos que alteravam o tradicional, viesse a recobrir estruturas que ja existiam a nivel mitologico. Desta forma, a musica veio desvelar a estrutura do mito. Tendo tanto a musica como o mito sua origem na linguagem, a primeira se orienta pelos aspectos sonoros desta, e o segundo veio a ressaltar seu campo de sentido. Neste ponto o autor do artigo, tece algumas hipoteses para tentar abordar a separacao radical entre o som e o sentido, fazendo consideracoes sobre o ponto de incidencia de um furo presente na linguagem. Reflexao esta que e utilizada para, retomando o texto lacaniano O mito individual do neurotico, tentar elucidar alguns aspectos da estrutura subjetiva, mais particularmente, da neurose obsessiva. Fechamos este numero com o artigo de Sumaya Hallack Sarkis, O gozo em sua articulacao com o sintoma, no qual a partir dos questionamentos provocados pela experiencia clinica a autora compartilha com os leitores seu percurso no campo dos achados teoricos da psicanalise, fazendo-o com um frescor e uma clareza que sao dignos de nota. Cabe-nos agora, desejar a voces uma boa leitura. Por Denise Maurano Mello

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