O cinema testemunhal de Lúcia Murat
2020; Universidade da Beira Interior, Portugal (UBI) & Universidade Estadual de Campinas, Brasil (UNICAMP); Issue: 27 Linguagem: Português
ISSN
1646-477X
Autores Tópico(s)Cultural, Media, and Literary Studies
ResumoHa evidencias de que tanto para a filosofia da narracao, dentro do campo da teoria literaria, quanto para os estudos de cinema, em especial para a vertente do cinema documentario, a encenacao de si, fomentada pelo relato de si mesmo do autor, apresenta uma retorica persuasiva, dotada de estrutura dialogal e dimensao fiduciaria, que nos permite refletir sobre a potencia e a performatividade do testemunho, sobretudo o testemunho superstes, dos sobreviventes. Objetiva-se, a partir de uma abordagem fenomenologica, analisar os elementos textuais de tres dos filmes da cineasta Lucia Murat e os discursos secundarios e terciarios das obras em comparacao com sua biografia, a fim de compreender a tessitura e a retorica especificas da narrativa cinematografica de um cinema autorreferente, que versa sobre a experiencia de vida da realizadora, ex-guerrilheira, presa politica e vitima de tortura na Ditadura Civil-Militar Brasileira de 1964-1985. Alem disso, aspira-se debater de que maneira o modo performatico (Nichols, 2005) aplicavel, em principio, a somente documentarios, poderia ser empregado nos filmes de ficcao evocativos de sua autora, ou seja, nos filmes em que se nota a autorrepresentacao da cineasta. A hipotese central desta pesquisa e de que Lucia Murat, ao relatar a si mesma no documentario autobiografico em primeira pessoa Uma Longa Viagem (2012), e ao construir uma personagem alter ego interpretada por Irene Ravache tanto no documentario Que Bom Te Ver Viva (1989), quanto na ficcao A Memoria Que Me Contam (2013), permite ao espectador que identifique nos filmes, por meio da leitura documentarizante, o referente real e factografico de sua historia de vida e de seu self , e, sobretudo, que tome os filmes como testemunho da cineasta. Isto, por sua vez, possibilita, no espaco da recepcao, transferir para o espectador a acreditacao da historia transmitida por meio de seu testemunho singular – nao qualquer historia, “uma historia dos vencidos” (Benjamin, 1987), escrita a partir da perspectiva unica de vitima e de sobrevivente de experiencias traumaticas e de acontecimentos catastroficos. Destarte, este trabalho tem por objetivo ultimo, formular as bases de um cinema testemunhal, que Lucia Murat faz, de filmes que inscrevem as por vezes invisiveis marcas da violencia e elaboram sobre o indizivel, intransmissivel e irrepresentavel trauma.
Referência(s)