
Multifuncionalidade da horticultura urbana e sua integração ao ecossistema urbano
2020; Associação Brasileira de Olericultura; Volume: 37; Issue: 3 Linguagem: Português
10.1590/hb.v37i3.1775
ISSN1806-9991
AutoresJoão Flávio Bomfim Gomes, Renata da Silva Brant Gomes, Alex Oliveira de Souza,
Tópico(s)Urban Agriculture and Sustainability
ResumoIntroducao As projecoes indicam que em 2050 a populacao urbana sera de mais de seis bilhoes de toda a populacao mundial (66,36%), contra 53,60% registrada no ano de 2014, de acordo com a United Nations (2015). O relatorio The State of Food Insecurity in the World 2015 afirma que cerca de 795 milhoes de pessoas em todo o mundo encontram-se em estado de inseguranca alimentar (Food And Agriculture Organization, 2015). Nesse cenario, um dos grandes desafios e como e onde produzir mais alimentos e, ao mesmo tempo, garantir seguranca alimentar e conservacao dos recursos naturais? Para muitos paises, a solucao encontrada e a pratica agricola em areas intraurbanas e periurbanas, a agricultura urbana. De acordo com a Organizacao das Nacoes Unidas para Alimentacao e Agricultura (2015), a agricultura urbana e praticada por 800 milhoes de pessoas em todo o mundo. Compreendida como pratica universal, pois esta presente em todo o mundo (Boukharaeva et al. (2007) citados por Carvalho & Knauss, 2007) se constitui uma alternativa para o problema da crescente urbanizacao, por ser uma importante forma de suprir os sistemas de alimentacao urbanos, relacionando-se com a seguranca alimentar e o desenvolvimento da biodiversidade e por proporcionar melhor aproveitamento dos espacos, contribuindo, dessa forma, para o manejo adequado dos recursos de solo e da agua (Mougeot (2000) citado por Machado & Machado, 2002). Alem disso, possibilita incremento de renda e qualidade de vida para o agricultor urbano. Em diversos paises desenvolvidos, em desenvolvimento ou subdesenvolvidos do mundo tem ocorrido experiencias exitosas que promovem a integracao da pratica da agricultura urbana ao ecossistema urbano, por meio do planejamento urbano e da gestao urbana, que possibilitaram beneficios mutuos, tanto para as cidades, como para os cidadaos. Entre os principais estudiosos desta pratica, sem desconsiderar os demais, e consenso a multifuncionalidade dessa agricultura, provendo alimento de qualidade a populacao, preservando os recursos naturais e incrementando a renda dos grupos mais vulneraveis etc., alem da sua integracao ao ecossistema urbano, sendo praticada tanto em areas intraurbanas como em areas periurbanas (Mougeot, 2000a; Smit et al. , 2001; Machado & Machado, 2002). O entendimento e a compreensao da agricultura urbana e sua integracao ao ecossistema urbano tem sido objeto de pesquisa de diversas areas do conhecimento. Urbanistas, geografos, agronomos, sociologos, economistas, alem de organizacoes governamentais e nao-governamentais que estudam e buscam formas de viabilizar a multifuncionalidade da agricultura urbana, com suas vantagens nas dimensoes economicas, sociais e ambientais. A agricultura urbana, periurbana e a cidade: muito alem de conceitos Desde o inicio dos primeiros nucleos urbanos, ainda no periodo neolitico (3.500-3.000 a.C.), as cidades e a pratica agricola sempre estiveram intrinsecamente conectadas. Ademais, a agricultura foi a principal atividade daqueles nucleos, os quais se desenvolveram e tomaram a forma de cidade, a partir do momento em que outras atividades, como a construcao de moradias, locais de culto, levantamento de pequenas cercas, alem de servicos diversos, passaram a ser realizadas por aqueles que nao praticavam a agricultura. Era funcao dos produtores manter os demais realizadores de outras atividades com o excedente da producao agricola (Benevolo, 2011). Desde a revolucao agricola neolitica, portanto, quando o homem evoluiu de ser coletor-predador para ser cultivador-domesticador (Mazoyer & Roudart, 2010), a pratica agricola ja era urbana. Contudo, segundo Mougeot (2000b), o termo “agricultura urbana”, ou ainda “agricultura intra e periurbana”, foi cunhado recentemente, tendo recebido destaque somente ha duas decadas. No cenario internacional, esta terminologia teve seu uso difundido com o Programa das Nacoes Unidas para os Assentamentos Humanos (Unhabitat), no inicio da decada de 1980, visando discutir um novo modo de pensar as cidades (Gomes, 2016). No ano 1996, o pesquisador Jac Smit, considerado o “pai da agricultura urbana”, foi o autor principal do livro Urban Agriculture: food, Jobs and sustainable cities, lancado no Forum Mundial Urbano, em Istambul, pelo Programa de Desenvolvimento das Nacoes Unidas (UNDP). O livro e considerado referencia pela academia e organizacoes que estudam e trabalham com a agricultura urbana, sendo o primeiro trabalho publicado com rigor cientifico, tendo como base os estudos realizados a partir de visitas a vinte paises entre 1992 e 1994, alem de incursoes a mais dez paises apos essa data. Em 2001, o autor, juntamente com os pesquisadores Annu Ratta e Joe Nasr lancaram a revisao atualizada do primeiro livro (Gomes, 2016), apresentando a evolucao das discussoes a respeito da agricultura urbana. O conceito seminal de agricultura urbana proposto pelos autores reconhece as praticas agricolas observadas na pesquisa como existentes no espaco da cidade ou da metropole, a depender do tamanho da mesma, em areas intraurbanas ou periurbanas. Alem disso, a estrutura de cadeia produtiva da agricultura urbana ja esta presente nos paises visitados, pois para os autores a agricultura urbana “e uma industria que produz, processa e comercializa alimentos, e distribui para a populacao das cidades” (Smit et al. , 1996). Nos anos 2000, o pesquisador Luc J. A. Mougeot publicou o relatorio Urban Agriculture : Definition , Presence , Potentials and Risks , and Policy Chalenges , documento que compoe a serie Cities Feeding People , financiado pelo International Development Research Centre (IDRC) (Mougeot, 2000a). No documento, Mougeot (2000a) assevera que o aparecimento na midia do termo e de praticas ao redor do mundo aumentam a responsabilidade dos pesquisadores em busca de um consenso conceitual, principalmente no sentido de evitar o uso indevido do termo “agricultura urbana” e tornar possivel que o mesmo seja perfeitamente entendido e transformador. Para o autor, “[...] o conceito deve ser suficientemente claro para que os usuarios possam perceber facilmente seu potencial de complementaridade e de sinergia com outros conceitos correlacionados”. Dessa forma, o autor entende que o momento, agora, e o de conhecer nao somente a agricultura urbana mas, tambem, como o mesmo se relaciona com outros conceitos, em especial, o de ecossistema urbano. Mougeot propos alguns parâmetros que pudessem caracterizar a agricultura urbana e assim distingui-la da agricultura rural: os tipos de atividade economica, a localizacao intraurbana ou periurbana, tipos de areas onde ela e praticada, sua escala e sistema de producao, as categorias e subcategorias de produtos (alimenticios e nao alimenticios) e a destinacao dos produtos. Os estudos de Mougeot contribuiram enormemente com a discussao e fomento da agricultura urbana em termos globais.
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